Texto para Discussão:
A
Evolução da Concentração de
Metano na Atmosfera
Carlos Feu Alvim
feu@ecen.com
Omar Campos Ferreira
José Israel Vargas
O gás metano tem sido apontado como o
segundo maior contribuinte para o incremento do efeito estufa proveniente
das atividades produtivas do homem. A evolução secular da concentração
desse gás na atmosfera do planeta ressalta a importância da
responsabilidade dessas atividades no incremento do efeito estufa. Sua
análise e projeção, através de modelagem já testada noutros sistemas,
podem fornecer indicações sobre a evolução do fenômeno, bem como das ações
recomendáveis para mitigá-lo.
Este trabalho examina a evolução do teor
de metano na atmosfera usando resultados de medidas obtidas em ar
armazenado em geleiras ao longo de um milênio e de algumas medidas mais
recentes diretamente na atmosfera; também discute a pertinência do
critério atualmente adotado para contabilizar as emissões de metano para o
estabelecimento dos créditos de carbono definidos no Protocolo de Quioto.
De acordo com estimativa da EPA (United
States Environmental Protection Agency)[i]
o gás metano (CH4) é responsável por 23% do efeito observado
dos teores verificados desde a era pré-industrial, até hoje. Sua
contribuição só não é maior que a do gás carbônico (CO2)
responsável por 70% do total.
As características de retenção do calor
na atmosfera desse gás, superiores à do gás carbônico (CO2),
levaram o Protocolo de Quioto a estabelecer uma equivalência entre eles de
um fator 21 em massa (1 tonelada de CH4 é equivalente a 21
tonelada de CO2) na geração de efeito estufa. O carbono emitido
sob a forma de metano teria um efeito 8 vezes maior que o do gás
carbônico* no qual, em longo prazo, será convertido. Além disto, esta
sistemática leva naturalmente em conta a
emissão, não considerando o tempo de permanência do CH4 na
atmosfera, que é efetivamente muito menor do que o observado para o CO2.
A contabilidade das emissões tornou-se
regra corrente no âmbito do Protocolo. Em conseqüência, a redução buscada
da emissão de metano tem sido comercializada baseando-se nessa
equivalência.
O Brasil tem argüido sem sucesso que o
efeito de longo prazo deveria ser levado em conta e assim as regras
iniciais continuam sendo observadas no comércio de crédito de carbono. A
equivalência definida pelo Protocolo de Quioto prevalece, inclusive, no
que tange os projetos brasileiros já que o crédito de carbono é
contabilizado no mercado internacional.
O conhecimento da evolução do teor de
metano na atmosfera ao longo do tempo é essencial para avaliar a
contribuição da atividade humana em sua acumulação. O ar capturado em
geleiras costuma ser uma fonte interessante para esse tipo de estudo, vez
que existem processos de datação que permitem avaliar a idade de amostras
colhidas em diferentes profundidades. Como o teor de metano tende a
homogeneizar-se na atmosfera, as medidas realizadas com amostras de uma
geleira são bastante representativas do teor global na ocasião em que o ar
foi aprisionado pelo gelo. Em anos recentes, as medidas passaram a ser
realizadas diretamente pela coleta de ar atmosférico em regiões livres de
poluição local significativa.
A análise deste artigo concentra-se no
exame dos resultados relacionados no trabalho de D.M. Etheridge et al.[ii]
que cobrem mil anos. As amostras foram recolhidas em geleiras tanto da
Groenlândia como da Antártica; já aquelas recolhidas diretamente da
atmosfera o foram em estação do Cabo Grim (Tasmânia). Também foram
analisadas amostras de gelo da Antártica mais recentes para teste da
metodologia usada para analisar o possível papel da difusão do metano no
gelo.
Os resultados referentes ao teor de
metano ao longo dos anos são mostrados na Figura 1.

Figura 1:
Teor de metano na Atmosfera a partir de medidas em geleiras da Antártica e
da Groenlândia e nas amostras ambientais, colhidas na Tasmânia.
Pode-se observar na Figura 1 que até o
ano de 1800 os teores de metano permaneceram praticamente constantes, não
sendo também significativas as diferenças de concentrações nos pólos
opostos até o século XIX.
A presente análise estará restrita ao
período transcorrido entre 1900 e 2000 onde ocorreram quase 90% do aumento
observado no milênio. Foi constatada a conveniência de efetuar o ajuste
dos dados para o período 1940 a 2000 que descrevem melhor a dinâmica
observada no último período. Os dados dos anos anteriores foram usados
para estabelecer uma linha de base para o ocorrido no período descrito.
A metodologia utilizada já descrita em
numerosos artigos de C. Marchetti e adotada por J. I. Vargas
para uma série de fenômenos naturais e sociais, presta-se a situações em
que o crescimento de um elemento introduzido no sistema é inicialmente
acelerado e posteriormente tolhido ou saturado pela sua própria presença
no sistema em exame.
A evolução pode ser descrita como
resultante de uma curva do tipo logística obtida pela razão dos dados
pertinentes entre o estado inicial e o final. Usando-se um algoritmo
adequado (de Fisher-Pry), que implica em uma mudança de escala, é possível
ajustar o conjunto dos dados a uma reta. Para fazê-lo é necessário
determinar o nível de saturação (valor máximo) que propicia o melhor
ajuste para o conjunto de dados disponível para o período. Este tipo de
determinação para o valor de saturação é o aconselhado quando não existe
um limite físico claro do “nicho” a ser ocupado pela grandeza em estudo.
Várias das análises realizadas com a
metodologia revelam a presença de mais de um ciclo de acumulação, sendo
conveniente para a previsão de valores futuros trabalhar-se com o ciclo
dos anos mais próximos como foi feito nesta abordagem.
Apenas para relembrar a metodologia,
recorda-se que nela supõe-se que o valor de uma grandeza possa ser
descrito por uma curva do tipo:
Y(t) = Ymax/[1 +
e-a(t-to)]
onde Y(t) é uma função do tempo t,
sendo a e to constantes. Ymax é o valor máximo
da função denominada logística. Sendo f = Y/Ymax tem-se
Ln (f/(1-f)) = a (t - to)
que permite representar linearmente o
comportamento da variável. O tempo to representa o ponto de
inflexão da curva e o de maior derivada. É ainda comum referir-se ao
intervalo Δt que assinala o tempo em que a curva passa de 10% para 90% do
seu valor máximo.
Os teores de metano representando o
período 1900/2000, bem como os valores de sua variação média anual
(intervalo mínimo de cinco anos), estão representados na Figura 2. Note-se
que o máximo de acréscimo anual situa-se em torno de 1975. Em uma curva
logística este valor corresponderia à metade da variação total esperada.

Figura 2:
Valores do teor de metano e da média da variação anual que passa por um
máximo centrado em torno de 1975.
O ajuste da curva logística foi usado
para estudar o acréscimo observado para o período 1940 a 2000. Os teores
para esse período foram subtraídos do valor de base de 954 ppb (teor médio
no período anterior 1900 a 1940).
Os dados estão apresentados na Figura 3.
A reta representa o melhor ajuste dos dados, considerados diferentes
valores máximos do teor futuro de metano. Também estão indicados na
figura:
§
O “nicho” de 936 ppb de
variação sobre a base considerada que aponta para um valor máximo de cerca
de 1900 ppb,
§
O ponto to = 1975
que corresponde ao ano em que teria sido atingida a metade da variação
total de teor,
§
Δt = 69 anos que
corresponde ao intervalo entre 10% e 90% do acréscimo esperado.
Em 1995 os valores já representavam 80%
da variação total prevista e 90% seria atingido no ano de 2010[3].

Figura 3:
Ajuste para acréscimo do teor em relação a média de período anterior para
o período 1940-2000

Figura 4:
Ajuste para o período 1940 a 2004 e projeção para teor de metano até 2020.
Na Figura 4 são representados os dados
observados e o ajuste com a previsão da evolução dos teores no futuro.
Medidas posteriores do mesmo laboratório (CSIRO, Austrália)
constataram que não houve crescimento do teor de metano na atmosfera entre
1999 e 2003.
Deve-se lembrar que no relatório da EPA,
já mencionado, o acréscimo de emissão de metano entre 1990 e 2000 teria
sido de apenas 1,1%. Esta redução foi principalmente devida à crise
econômica em países que integravam a União Soviética e a menor emissão em
alguns países da OCDE (não EUA). O menor ritmo de crescimento das emissões
não explica, contudo, a redução observada no crescimento do teor de metano
na atmosfera uma vez que as emissões no período, mesmo crescendo pouco,
são as maiores observadas ao longo de um milênio e o teor na atmosfera se
supõe cumulativo, com vida média na atmosfera entre 10 e 20 anos.
O crescimento do teor de metano na
atmosfera já dá sinais de saturação como mostra o ajuste para o século
passado. Pelo comportamento da curva (máximo de variação em 1975) esta
saturação não é devida às medidas adotadas após o Protocolo de Quioto
A equivalência para o metano, fixada pelo
Protocolo, pode estar induzindo países (inclusive o Brasil) à adoção de
medidas para a redução da emissão de metano cuja eficácia para atenuar o
efeito estufa é questionável. Esta tem sido, aliás, a posição dos
representantes brasileiros na Convenção que questionam a contabilidade das
emissões desconsiderando os efeitos de longo prazo. Confirmada a tendência
atualmente observada, do teor de metano não estar crescendo como previsto,
acrescenta-se mais uma razão para o assunto ser revisto.
Embora a
adoção dessa equivalência possa vir a facilitar o cumprimento dos
compromissos de nações que se obrigaram a fazê-lo, essa prática pode se
tornar insustentável frente a evidências técnicas e científicas que
indiquem que as medidas para evitar sua emissão não têm a eficácia
anunciada para reduzir o efeito estufa.
No caso do
Brasil, que não está obrigado à redução das emissões no âmbito do
Protocolo de Quioto, existem vários projetos para a obtenção de crédito de
carbono já aprovados, baseados na redução de metano. Esses projetos
poderiam ser prejudicados se fosse modificado o coeficiente atualmente
utilizado para esse gás.
Por outro
lado, deve-se considerar que a supervalorização do efeito da redução da
emissão do metano faz baixar o preço do crédito de carbono por tonelada
equivalente de CO2. Com isso os projetos na área de biomassa
são duplamente prejudicados: por um lado o eventual crédito de carbono
pela eliminação de CO2 é reduzido pela emissão simultânea de
metano que ocorre nestes processos, por outro lado o preço pago pela
eliminação da emissão de CO2 tem seu valor deprimido. Em um
horizonte de maior tempo também deve ser considerado que a
supervalorização das reduções emissões de metano pode estar dando
relevância indevida a fenômenos como a emissão pelo rebanho bovino onde a
participação do Brasil é relevante.
[i]
Global Anthropogenic Non-CO2 Greenhouse Emissions: 1990-2020. EPA
December – 2005 (Draft)
[ii]
Historic CH4 records from Antarctic and Greenland ice cores, Antarctic
firn data, and archived air samples from Cape Grim, Tasmania D.M.
Etheridge, L.P. Steele, R.J. Francey, and R.L. Langenfelds
Rapport from Division of
Atmospheric Research, CSIRO, Aspendale, Victoria, Australia
(firn: rounded,
well-bonded snow that is older than one year)
(*) Valor Revisto
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