Economia & Energia
Ano XV-No 83
Outubro/Dezembro de 2011
ISSN 1518-2932

e&e  OSCIP

setae.gif (977 bytes)e&e in English

BUSCA

CORREIO

DADOS ECONÔMICOS

DOWNLOAD

OUTROS NÚMEROS

e&e  No 83

Página Principal

Possível Crescimento

Viabilidade Econômica de Unidade de Geração de Energia Elétrica Eólica

Apoio:

 

 

 

 

 

 

Parceria:

COPPE/UFRJ

 

http://ecen.com
Vínculos e&e

Veja também nosso suplemento literário

http://ecen.com/
jornalego

Texto para Discussão (revisto em Dezembro de 2011):

Possível Crescimento

Como voltar a crescer 7% ao ano

Carlos Feu Alvim - feu@ecen.com *

José Fantine - josefantine@gmail.com**

 

Resumo

Dois cenários de crescimento econômico no Brasil nos próximos oito anos são apresentados: um cenário inicial no qual são mantidas as condições atuais e outros no qual o país alcança o crescimento de 7% ao ano. Para crescer o desejado é preciso fazer mais com o estoque de capital, aumentando sua produtividade, mas é também necessário investir mais.

Nota: O presente texto foi revisto levando em conta os dados das Contas Nacionais anuais até 2009 e as trimestrais até o 3o trimestre de 2011.

Palavra-Chave: Brasil, cenário econômico, desenvolvimento, crescimento do PIB.

Abstract

Two economic development scenarios in Brazil in the next eight years are presented: one inertial scenario in which the present conditions are maintained and the other one in which the country reaches a growth of 7% annually. In order to reach the desired growth it is necessary to use better the capital stock by increasing its productivity and increase investments.

Keywords: Brazil, economic scenario, development, GDP growth.

Introdução

Há um desejo nacional de ver o Brasil crescer a taxas elevadas do PIB de sorte a avançar mais celeremente rumo ao grupo de países desenvolvidos, igualando-se na corrida da China e da Índia. O debate quase sempre politizado sobre essa possibilidade deixa de explorar facetas fundamentais para esse propósito. Como um mantra, repete-se que o Brasil não tem como crescer, pois lhe faltariam certas condições como infraestruturas adequadas, impostos mais favoráveis, juros mais baixos, menor corrupção e maior estabilidade na regulamentação dos serviços. No entanto, há avanços não só no equacionamento dessas questões como o próprio crescimento dos últimos oito anos demonstrou que outras variáveis tão ou mais importantes têm a ver com esse nobre propósito. É isso que veremos neste trabalho.

Tem sido comum comparar as taxas de crescimento nos períodos do governo FHC (2,3% ao ano) com os de do Lula (4,0%). Poucos perceberam que a taxa de investimento foi a mesma (16,9%) nos dois períodos e a diferença veio da maior produtividade do capital no último.

Ademais, o “pibão” de 2010 (7,5% no ano) reacendeu a perspectiva do Brasil poder crescer a uma taxa mais próxima das conseguidas nos últimos dez anos por Índia e China. Esse avanço no PIB suscitou meses de debates sobre a viabilidade de o Brasil crescer nessa faixa ou não. Nossa análise mostra que no caso específico deste ano houve, na verdade, uma compensação da contenção no uso da capacidade de produção no ano anterior. No entanto, a possibilidade de crescimento nos próximos anos nesse nível parece factível.

O argumento mais utilizado pelos que dizem que o País não pode crescer a taxas altas é justamente vincular esse crescimento unicamente à taxa de investimentos anuais, que imaginam não crescerá. Nosso trabalho procura mostrar a importância da produtividade de capital no crescimento no período passado e para os próximos, sem descartar a necessidade de também elevar a poupança interna e a taxa de investimentos.

Outras dificuldades são constantemente usadas para concluir pela impossibilidade de maior crescimento econômico no Brasil tais como deficiências na educação, corrupção, falta de empresários, de profissionais e até nossa colonização ibérica, como já assinalamos anteriormente (ref. 1). Quando o País cresce apesar disso, fica mais fácil especular não só sobre a manutenção do crescimento médio do Governo Lula (4% ao ano) como para as nossas chances de crescer acima desse valor novamente a uma taxa da ordem de 7%, como estivemos acostumados nas décadas de 50 a 70.

Este estudo apresenta dois cenários de crescimento:

No primeiro cenário, são mantidas a taxa de poupança interna anual média (18,7% ao ano) do período Lula e a produtividade de capital do último período de governo (0,52). Com essas condições já seria possível crescer 4,5% ao ano.

No segundo cenário, foram buscadas as condições para atingir um crescimento médio do PIB de 7% ao ano nos oito (8) anos do Governo Dilma + seguinte. As simulações realizadas mostraram que para atingir este crescimento do PIB seria necessário incrementar simultaneamente a produtividade de capital de 0,53 (em 2010) para 0,58 (em 2018) e a taxa de investimentos de 19,5%  para 21% entre  esses anos.

O crescimento da produtividade de capital, praticamente ausente dos debates sobre o aumento da taxa de crescimento no governo Lula, é, de fato, uma das armas mais poderosas que conta o Governo atual e o próximo para sair desse patamar atual de crescimento e alcançar maiores vôos. Um fato não explorado pelos debatedores dessa questão foi que, no Governo Lula, por pressão da demanda, fruto de uma política exitosa de distribuição de renda, o setor produtivo passou a usar melhor sua capacidade instalada, ou seja, aumentou a produtividade do capital. Assim, neste trabalho, exploramos o potencial do crescimento nacional com ênfase na produtividade de capital – caminho perfeitamente nas mãos do atual Governo para fazer o Brasil chegar ao pódio mundial e enfrentar o desafio de ser um BRIC tão exitoso quanto a China ou a Índia em termos de crescimento econômico.

Crescimento, poupança e produtividade

O Brasil atingiu no período do Governo Lula um crescimento médio de 4,0% ao ano, não obstante a crise mundial de 2008, que ainda perdura. Partindo-se do diagnóstico de que o crescimento brasileiro é, no médio prazo, principalmente limitado pela capacidade de produção (oferta potencial), a continuidade ou a superação desse nível de crescimento depende de circunstâncias internas e externas que podem ser avaliadas com auxílio de relações macroeconômicas relativamente simples.

Dois fatores fundamentais são a taxa de investimentos e a produtividade que venha a ser alcançada no uso da capacidade produtiva. A análise a seguir utiliza o programa projetar_e (ref 2) para comparar o que houve nos governos dos dois últimos presidentes e fazer a projeção para os próximos anos.

De acordo com as avaliações realizadas pela Organização e&e e pelo IPEA sobre o estoque de capital, o Brasil atualmente é capaz[1] de produzir cerca da metade (mais precisamente 52%) do que tem acumulado nos chamados bens de capital. Mantida a produtividade de capital atual, para crescer o PIB a 6% ao ano, o estoque de capital também teria de crescer 6%[2].

Acontece que o capital, por desgaste ou obsolescência, se deprecia a uma taxa aproximada de 4,5% ao ano. Isto significa que o Brasil teria de investir anualmente 10,5% (6%+4,5%) do valor do estoque de capital, ou seja, cerca de 21% do PIB mantida a produtividade de capital de 0,52. Ou seja, o investimento atual (cerca de 18,5% do PIB no último mandato presidencial) não é suficiente para o crescimento de 6% ao ano.

Nesse quadro, para alcançar o crescimento de 6% ao ano é necessário aumentar a taxa de investimentos e/ou a produtividade de capital ou ambos

Deve-se considerar ainda que a estagnação do crescimento no Brasil, que durou aproximadamente três décadas, fez com que se acumulasse um déficit de investimentos, que vai da infraestrutura sanitária e habitacional à de transporte e energia. Não bastasse isto, o Brasil estará organizando dois grandes eventos esportivos: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, com os respectivos cadernos de encargos. Tudo isto somado, pressiona a capacidade de investir e tem repercussão na produtividade de capital.

Ajuda a compreender o problema o exame do que aconteceu nos governos anteriores.

Crescimento do PIB nos governos FHC e Lula

A Tabela 1 mostra que a taxa de investimento no Governo Lula foi praticamente igual à do Governo FHC. O maior crescimento econômico no Governo Lula em relação ao Governo FHC se deu com a melhor utilização da capacidade produtiva. Com efeito, a produtividade de capital cresceu em média 1,5% ao ano entre o início e o fim do Governo Lula e permaneceu estagnada no Governo FHC. A Tabela 1 também compara as parcelas de poupança externa e interna nos Governos FHC e Lula. Compreender as diferenças de crescimento nos dois períodos ajuda na formulação da estratégia econômica dos governos atual e próximos.

Tabela 1:

Comparação das poupanças interna e externa, investimentos, produtividade de capital e o crescimento econômico nos Governos FHC e Lula.

 

Unidade

Governo FHC

Governo Lula

Poupança Interna

% do PIB

15,6%

18,8%

Poupança externa (1)

% do PIB

1,3%

-1,9%

Investimento anual

% do PIB

16,9%

16,9%

Média do Crescimento do PIB

% anual

2,3%

4,0%

Produtividade de capital (2) início e fim de governo

 

0,47 a 0,47

0,47 a 0,53

Média do Crescimento da produtividade de capital

% anual

0%

1,5%

(1) Transferência de Bens e Serviços (importados - exportados)

(2) A produtividade de capital (Y/K) é a razão entre o PIB (Y) e o estoque de capital (K).

Na Figura 1, pode-se constatar, conforme assinalado na tabela acima, a redução do nível de poupança interna no Governo FHC em mais de 20% (quatro pontos percentuais do PIB). Uma extrapolação baseada no comportamento anterior é indicada.

Figura 1

Figura 1: Histórico da poupança interna

(fração do PIB não consumida) relativa ao PIB.

Na Figura 2, mostra-se a evolução das poupanças externa e interna e o investimento (soma das duas) correspondente em relação ao PIB[3] . Note-se que foi necessário no período Lula, sobretudo no primeiro mandato, gerar um expressivo superávit externo (poupança externa negativa).

Esta transferência se dá, do ponto de vista financeiro, pelo pagamento da dívida (principal e juros) e pela remessa de dividendos e é um resultado esperado do investimento externo. Ela atingiu 109 US$bi, superando em 27 bilhões as entradas no Governo FHC (82 US$bi).

O ponto positivo é que, em virtude dessas remessas, houve uma redução do passivo externo líquido brasileiro. Isso permitiu reduzir a zero a dívida externa líquida e baixar o passivo externo líquido de 58% do PIB para cerca de 18% do PIB em 2010. Embora o investimento externo acumulado ainda pressione por remessas, isso abre a perspectiva de que se mantenha mais ou menos zerada nos próximos anos essa transferência para o exterior.

Figura 2a

Figura 2bFigura 2: Poupança externa e interna e sua soma (investimento) em percentual do PIB com destaque no gráfico inferior, para os períodos FHC e Lula.

Como a poupança externa no Governo FHC apenas substituiu a queda da poupança interna, não houve o benefício esperado da elevação dos investimentos pela entrada dos recursos externos que, eventualmente, pudesse compensar a futura remessa (forçada) de juros e dividendos. O fracasso dessa política (liberalizante) em aumentar os investimentos reais é uma realidade pouco analisada ainda na história econômico recente.

A Ministra do Planejamento Miriam Belchior afirmou, por ocasião de sua posse, que é ”é possível fazer mais com menos”. Fazer mais com menos significa, no que se refere ao estoque de bens de capital, aumentar sua produtividade. Aumentar a produtividade, especialmente a do capital, é talvez um desafio para todo o Governo Dilma e o do quatriênio seguinte. O conjunto de investimentos programados para atender às necessidades de desenvolvimento atinge um montante expressivo e alguns deles, particularmente os de infraestrutura, tardam em se tornar produtivos, o que tenderia a reduzir sua produtividade no curto prazo. Em compensação, a alta produtividade de capital esperada na exploração do petróleo e o bom preço das commodities devem contribuir para uma melhor produtividade de capital.[4]

Cenários de crescimento

Foram elaborados dois cenários de crescimento para os próximos oito anos, um cenário inercial, mantidas as condições atuais - o de “Manutenção” e outro dimensionado para voltar a alcançar o crescimento sonhado de 7% ao ano – o “Mais com Mais”. Este último cenário exigiria um maior nível de poupança interna e um aumento na produtividade de capital . Ou seja, para crescer o desejado é preciso fazer mais com o estoque de capital, aumentando sua produtividade, mas é também necessário investir mais para fazê-lo crescer.

Crescimento esperado – Cenário Manutenção

(mantido o quadro atual e baseada no programa projetar_e da ECEN Consultoria)

Para crescer é preciso que o parque produtivo (estoque de bens de capital) cresça e isto depende de investimentos que são o resultado da poupança interna + externa.

A poupança interna, cujo comportamento e extrapolação foram mostrados na Figura 1, seria, no presente cenário, mantida na média de 18,8% do PIB (a mesma do período Lula) nos próximos oito (8) anos. Com a poupança externa praticamente nula, o investimento seria mantido no mesmo patamar.

A produtividade de capital apresenta uma tendência temporal de longo prazo que caiu na década de setenta e está em ligeira ascensão. Em torno dessa tendência, existem oscilações que coincidem aproximadamente com o fator de utilização avaliado para a indústria, que é de caráter conjuntural. Supõe-se, na projeção adotada, um fator de utilização dentro da média histórica, e é mantida a produtividade de capital próxima à da média dos últimos anos. O comportamento da produtividade de capital é mostrado na Figura 3, onde é também indicada a extrapolação para esse cenário.[5]

Figura Produtividade de capital

Figura 3: Comportamento da produtividade de capital, valores históricos e projetados no cenário manutenção.

 

A Figura 4 mostra as taxas de variação anual do PIB e do consumo. Para aumentar a taxa de poupança é necessário, por alguns anos, que o crescimento do consumo seja inferior ao do PIB. O PIB (obtido pela multiplicação do estoque de capital pela produtividade de capital) cresceria 4,2% ao ano, de 2010 a 2018, e o consumo seria de 3,9% ao ano.

Figura 4

Fonte: IBGE em ipeadata.gov.br e projeção e&e

Figura 4: Taxas de variação do PIB e consumo histórico e projetado para o cenário “manutenção”.

A partir de projeções da população residente apresentada pelo IBGE, pode-se deduzir a variação dos valores do PIB e do consumo histórico e projetado, como é mostrado na Figura 5. O PIB per capita cresceria 3,4% ao ano e o consumo/habitante 3,2% ao ano.

Figura 5

Fonte: IBGE em ipeadata.gov.br e projeção e&e

Figura 5: Variação do PIB e consumo per capita e projeções (cenário manutenção).

 

Cenário Mais com Mais

(esforço necessário para atingir um crescimento de 7% baseado no programa projetar_e da ECEN Consultoria).

O cenário “manutenção” mostrou a possibilidade que o Brasil tem, com a poupança interna mantida no nível do governo anterior e permanecendo a produtividade de capital nos valores dos anos anteriores, de alcançar uma taxa de crescimento média de 4,2% ao ano ao longo de oito anos (período Dilma + X). Estimou-se também que, nas mesmas condições, mas apenas retornando a produtividade de capital para o nível dos anos noventa, o crescimento do PIB seria de apenas 1,8%.

Apontar o que seria necessário fazer para alcançar um crescimento da ordem de 7% ao ano é, como anunciado, o objetivo deste capítulo. Para crescer é preciso que o parque produtivo cresça (estoque de bens de capital) e isto depende dos investimentos cujo valor é o resultado da poupança interna + externa, conforme foi visto anteriormente.

A poupança interna precisaria chegar a 21% em 2020, como indicado na Figura 6. O comportamento ao longo das últimas décadas mostra que esse não é um valor fora da tendência histórica de longo prazo.

Cenário Mais com Mais

(esforço necessário para atingir um crescimento de 7% baseado no programa projetar_e da ECEN Consultoria).

O cenário “manutenção” mostrou a possibilidade que o Brasil tem, com a poupança interna mantida no nível do governo anterior e permanecendo a produtividade de capital nos valores dos anos anteriores, de alcançar uma taxa de crescimento média de 4,2% ao ano ao longo de oito anos (período Dilma + seguinte). Estimou-se também que, nas mesmas condições, mas apenas retornando a produtividade de capital para o nível dos anos noventa, o crescimento do PIB seria de apenas 1,8%.

Apontar o que seria necessário fazer para alcançar um crescimento da ordem de 7% ao ano é, como anunciado, o objetivo deste capítulo. Para crescer é preciso que o parque produtivo cresça (estoque de bens de capital) e isto depende dos investimentos cujo valor é o resultado da poupança interna + externa, conforme foi visto anteriormente.

A poupança interna precisaria chegar a 21% em 2020, como indicado na Figura 6. O comportamento ao longo das últimas décadas mostra que esse não é um valor fora da tendência histórica de longo prazo.

 

Figura 6

Figura 6: Evolução da poupança interna e sua projeção no cenário “mais com mais”

Como no cenário anterior, supõe-se que a poupança externa (saldo de bens e serviços) fique mais ou menos zerada para o investimento chegar a 21% do PIB com igual valor da poupança interna.

Na Figura 7 pode-se ver o comportamento histórico e projetado da poupança externa, interna e investimentos.

Figura 8

Figura 7: Comportamento histórico e projetado da poupança externa, interna e investimentos

A produtividade de capital tem uma tendência temporal de longo prazo com oscilações que são atribuídas ao fator de utilização, que é conjuntural. Para um fator de utilização dentro da média histórica, a produtividade de capital em 2018 teria que ser 11% superior à de 2008 para alcançar o crescimento almejado de 7% ao ano no PIB. A projeção é mostrada na Figura 8.

Figura 8

Figura 8: Evolução da produtividade de capital “histórica e no cenário “mais com mais”.

O PIB cresceria 7,1% no período de 2010 a 2018 e o consumo 6,6% ao ano, como mostrado na Figura 9. As condições para isto seriam: elevar a poupança interna de 19% para 21% do PIB, manter equilibrada (saldo zero) a balança externa de bens e serviços e elevar a produtividade dos bens de capital em 11% (1,3% ao ano).

Figura 9

Figura 9: Valores históricos e projetados do crescimento do PIB e do consumo no cenário “mais com mais”

A explicitação na Figura 9 do que aconteceu com a produção e o consumo mostra a rápida reação do crescimento brasileiro que teve uma queda de 0,6 % do PIB em 2009, mas alcançou 7,5% de crescimento do PIB em 2010, resultando em uma média de 3,4% para os dois anos. Já o consumo cresceu no ano da crise (2009) 2,3% e 6,8%, no ano seguinte, com um crescimento médio de 4,5%, acima do valor do período Lula (4,0%). Ou seja, do ponto de vista do consumo não houve crise de crescimento nos anos 2009 e 2010, o que justifica o jeito “marola” com que o Governo encarou a crise. A contração da oferta se deu principalmente por uma reação preventiva do setor produtivo. O prejuízo maior para o crescimento futuro ficou por conta de uma retração na taxa de investimento, que retardou investimentos em 2% do PIB que acarretaram uma redução de 1% na capacidade de produzir.

Este é um fato importante no momento (agosto de 2011), visto que a crise nos EUA e na Europa já provoca visões muito pessimistas na mídia sobre o futuro do crescimento brasileiro. É verdade que já não repetem a história que nos haviam vendido que um resfriado na economia americana era a certeza de forte gripe ou uma pneumonia no Brasil. Celso Furtado assinalava que, ao contrário, as crises na economia americana foram sentidas no curto prazo, mas, de modo geral, acabaram sendo benéficas para a economia brasileira no médio prazo. Ele assinalava em seu livro “O Capitalismo Global” que a crise de 1929 e 1930 nos EUA produzia, já em 1932, um notável ressurgimento interno baseado no mercado nacional. Da experiência mais recente, sabemos que, no outro lado da moeda, também a prosperidade americana nos anos Clinton não resultou em nenhum extraordinário benefício para nossa economia e a década de 90 terminou sendo a segunda década perdida para o Brasil. No último número desta revista (ref. 3) foi mostrado que a correlação entre taxas de crescimento no Brasil e EUA é praticamente inexistente ao longo de sessenta anos.

Os dados divulgados recentemente pelo IBGE (revisão de dezembro de 2011 deste artigo) incluindo até o terceiro trimestre deste ano, mostram que foi mantido o ritmo de investimentos (média de 19,5%do PIB) estando criadas as condições (desde que recuperada a demanda) de um novo "pibão" em 2012.

Considerado o crescimento populacional projetado pelo IBGE, o PIB per capita cresceria 6,2% ao ano e o consumo/habitante 5,7% ao ano.

Na trajetória para alcançar o 7% de crescimento, o Governo Dilma seria o de transição e, na simulação feita, o PIB atingiria 7% apenas no último ano e o crescimento médio seria de 6%. O consumo cresceria 5,2% em média no período.

Como chegar a um crescimento sustentado de 7% ao ano

Para alcançar este objetivo o primeiro desafio seria aumentar a taxa de investimento e isto significa uma troca de consumo por poupança e investimento.[6] Os níveis requeridos não são exagerados, principalmente em um cenário onde a perspectiva de crescimento é claramente percebida. Seria apenas necessário que o investimento crescesse, durante dois anos, 1% do PIB a mais que o consumo. O efeito, apontado no cenário acima, sobre o crescimento do consumo parece perfeitamente assimilável.

Deve-se considerar também que o investimento cresce quando existem perspectivas concretas de aumento da demanda.[7] O crescimento na produção de petróleo e de toda sua cadeia produtiva, a expansão da demanda agrícola mundial e o enorme estoque de demanda contida da população brasileira, que está atingindo um novo patamar econômico, são fatores que parecem assegurar essa demanda. Outro problema para aumento de investimentos na economia real é a alta taxa de juros fixada por intervenção do Governo.[8] A oportunidade gerada pela crise européia está sendo aproveitada pelo Banco Central para justamente conter esses juros. Se com a perspectiva de crescimento for possível canalizar a poupança para o investimento produtivo e não para o consumo, esse problema estaria sendo superado.

Como fator externo, é indispensável que se mantenha a recuperação nas relações de troca[9] observada nos últimos anos. É certo que a melhora das relações de troca depende de circunstâncias externas sobre as quais o Brasil tem pouco controle. Em muitos de seus produtos de exportação, no entanto, o Brasil é suficientemente forte no mercado mundial para, por si mesmo ou em acordo com outros produtores, evitar oscilações bruscas nos preços internacionais. É o caso, por exemplo, do minério de ferro, da soja e do açúcar. A oferta e os estoques devem ser nestes casos, instrumentos de uma participação efetiva nos mecanismos de controle do comércio internacional. Exemplo de como pode ser efetiva uma ação deste tipo está nos esforços da China de aumentar a oferta de alguns produtos no exterior. Uma ação efetiva para cuidar que a oferta excessiva não reduza drasticamente os preços (como ocorreu na década de oitenta) deveria ser uma preocupação nacional.

No entanto o que se vê é uma corrida nacional e internacional para produzir essas commodities no Brasil em escala crescente. Isso levará, em algum momento, ao excesso de oferta que resultaria em baixos preços quando amainada a demanda. Por outro lado, em momentos como o atual, de demanda aquecida, os recursos excedentes aumentam exageradamente a oferta de dólares, pressionando a valorização do Real. Nessa circunstância, cabe estimular investimentos em fases mais avançadas da cadeia de produção (por exemplo, passar da produção de minério de ferro para a de aço) ou simplesmente, como se está cogitando fazer no caso de grandes jazidas minerais, taxar os produtos básicos para direcionar os recursos para setores ou segmentos que possam oferecer, no médio e longo prazo, melhor resposta em relação ao capital. No fundo, seria estender a outros setores o que já se faz ou se cogita fazer na área de petróleo para evitar os males da chamada “doença holandesa”.

O quadro seguinte ilustra a importância dos termos de troca ( valorização dos produtos exportados frente aos importados pelo Brasil) nas taxas de crescimento do País.

Relação dos termos de troca com o crescimento do País

A figura abaixo mostra que o crescimento do PIB está estreitamente associado aos termos de troca, embora a precedência que poderia indicar a causalidade não seja evidente.

 

 A melhora nos termos de troca se deu nos meados dos anos noventa e abrange os quatro últimos mandatos presidenciais (dois de FHC e dois de Lula).         Fonte e&e 67

 

O segundo desafio para alcançar o crescimento do PIB no nível de 7% ao ano relaciona-se com o aumento da produtividade do capital. Temos, em várias ocasiões, apontado um conjunto de ações que poderiam contribuir para seu aumento. No quadro seguinte as apresentamos:

 

1.  aperfeiçoar a medida do estoque de capital de setores da economia e de empreendimentos existentes;

2.  elaborar e divulgar índices setoriais de produtividade de capital;

3.  avaliar previamente a produtividade de capital dos novos empreendimentos visando racionalizar investimentos;

4.  propiciar inovações que possibilitem incrementar o valor agregado ao produto;

5.  incentivar o aumento da taxa de utilização do parque produtivo existente e planejar aqueles a serem criados, visando reduzir a necessidade de investimentos;

6.  avaliar e propor às autoridades econômicas metas setoriais de taxas de utilização para assegurar que o aumento de produtividade seja decorrente de aperfeiçoamento da capacidade de gestão e do uso da tecnologia e não estaria pressionando a inflação, como é muitas vezes interpretado (a maior utilização da capacidade instalada é um dos gatilhos utilizado pelas autoridades financeiras para aumento de juros);

7.  rever, quando necessário, a regulamentação dos setores de modo a possibilitar maior produção e maior número de empregos a partir do mesmo capital para favorecer essa maior utilização do parque produtivo;

8.  incentivar consultorias que ofereçam o diagnóstico para a produtividade de capital;

9.  criar uma rede de excelência na área de produtividade de capital para organizar e dar continuidade ao esforço de incremento da produtividade de capital, reunindo informações, incentivando estudos, desenvolvendo e aplicando instrumentos gerenciais com esse objetivo.

 

Conclusão

No ano de 1994, quando havia uma grande euforia com a ideia de que era possível um crescimento acelerado pela modernização e a abertura, um dos autores deste trabalho (Carlos Feu Alvim) coordenou um estudo em que apontava as limitações para o crescimento brasileiro (ref 3) , no qual foi apresentado como cenário mais provável o do crescimento de 2,4 % ao ano para o período 1993/2003, o qual se concretizou, contrariando as expectativas da época.

Utilizando a mesma metodologia, verificamos agora que a situação mudou e, na análise que hoje fizemos, constatamos que o crescimento sustentado é possível. Isto se deve a mudanças no panorama interno e externo, como procuramos ressaltar.

Os dois cenários estudados são de manutenção ou ampliação do crescimento econômico. A longa estagnação de quase um quarto de século que aconteceu na economia brasileira a partir do final da década de setenta estaria superada. O valor do PIB per capita em 2020 estaria entre 15 a 18 mil dólares (de 2010) como se pode ver na Figura 10.

 

Figura 10 

Figura 10: Nos dois cenários estudados haveria um importante crescimento do PIB por habitante, ao contrário do que aconteceu nas décadas de oitenta e noventa quando permaneceu praticamente estagnado.

Uma preocupação fundamental para acelerar o desenvolvimento é aumentar o conteúdo tecnológico e melhorar o gerenciamento das empresas. Recursos mercadológicos são também importantes para a agregação de valor.

No aspecto de agregar valor aos produtos, o progresso na tecnologia agrícola está demonstrando que mesmo na área de commodities a tecnologia tem um papel fundamental e pode fazer toda a diferença na rentabilidade do negócio. Os progressos alcançados por algumas empresas brasileiras na comercialização externa de seus produtos, na agropecuária e em alguns produtos industrializados, são também cruciais neste esforço acelerar o desenvolvimento através da produtividade.

Outros esforços importantes estão em curso como, por exemplo, a consolidação do apoio a toda a cadeia produtiva de setores críticos, prevista na política industrial (MDIC e BNDES), bem como o esforço de grandes empresas como a Petrobras em fortalecer as diversas etapas de sua cadeia de fornecedores com a preocupação da nacionalização da produção interna, mas sempre visando alcançar a competitividade. Deve-se reconhecer o esforço nos últimos anos de recuperar o planejamento e, mais do que isto, verificar a execução do planejado. Isso tem sido feito com as ações consubstanciadas nos PACs, na PDP, e espera-se que seja feito no recém lançado Plano Brasil Maior. Planejar, executar, verificar e corrigir os desvios é o caminho certo para garantir um crescimento nacional sustentável.

Uma economia que alcançou a posição entre as dez maiores do mundo tem que ter algumas áreas que estejam na vanguarda mundial. Por esta razão, julgamos bastante relevante o esforço de nossas instituições[10]  no sentido de promover o desenvolvimento através da criação de centros e redes focadas em alcançar a vanguarda e a excelência em alguns temas específicos. Entendemos que, na medida em que se formem ilhas de excelência no País, estaremos, pelos resultados e exemplos, no caminho para elevar o nível geral gerencial e tecnológico no Brasil aumentando a geração de riqueza e a produtividade nacional.

Faltam ainda no País os organismos de vanguarda de apoio ao seu setor produtivo e, considerando as semelhanças, de apoio aos setores da educação, de saúde, de turismo, de gestão pública etc. A criação desses organismos ou o redirecionamento dos existentes seria fundamental para o progresso nacional Recentemente foi lançada a Embrapii – Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial que estaria diretamente vinculada ao setor produtivo e que parece uma boa iniciativa nesta direção.[11] Nesse contexto, cabe citar também nossa ideia de criação de uma Rede de Vanguarda na área de Produtividade de Capital que, como vimos, pode ser decisiva no suporte ao crescimento desejado[12].

Lista de siglas:

BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China

COPPE - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (a sigla corresponde a antiga Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia)

e&e – Economia e Energia (a Organização ou a Revista)

ECEN – ECEN Consultoria

Ecentex/COPPE/UFRJ – Espaço Centros e Redes de Excelência da COPPE/UFRJ

EMBRAPI – Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial

FHC – Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

K – Estoque de capital (de bens de capital)

MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PAC – Plano de Aceleração do Crescimento

PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo

PIB – Produto Interno Bruto

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

 Referências

1 - http://ecen.com/eee80/eee80p/poder.htm

2 - http://ecen.com/eee19/modemac.htm

3 -http://ecen.com/eee82/eee82p/gripe_americana.htm

4 - “Brasil: O Crescimento Possível”, Editora Bertrand do Brasil, 1996.


* - Diretor da OSCIP - Economia e Energia e&e http://ecen.com.

** - Cordenador da ECENTEX/COOPE/UFRJ e ex-diretor da Petrobras.

 


[1] A suposição é que se mantenha a produtividade de capital atual que é de 0,52; como exemplo explicativo, para uma produtividade de 50% precisamos de um estoque de capital de 4,4 trilhões de dólares de investimento acumulado no parque produtivo para um PIB de 2,2 trilhões de dólares.

[2] que são 12% do PIB

[3] Considerando-se a variação do estoque assimilada ao consumo, pode-se escrever Y + M = C + I + X ou 

 I = Y – C – (X-M) onde I é o investimento, Y o PIB, C o consumo e X e M a exportação e Importação de bens e serviços (valores apurados pelas Contas Nacionais a preços correntes)

[4]  Lembrar que estamos medindo a produtividade de capital a preços correntes, isso significa que o preço de mercado influencia a produtividade de capital medida.

[5] A razão do maior crescimento da produtividade de capital nos últimos anos ainda não foi suficientemente estudada. Certamente isso tem a ver com a melhora nos termos de troca mostrada mais adiante. Uma causa interna a ser considerada é de que a ascensão social gerou uma demanda de bens menos sofisticados e menos intensivos em capital. Não se pode excluir ainda a hipótese de que a abertura econômica em períodos anteriores esteja gerando uma maior eficiência no uso do capital.

[6] O programa de projeção leva em conta também que, com o aumento da taxa de crescimento uma maior fração dele é destinada a máquinas e equipamentos; isso é levado em conta ao se projetar a produtividade de capital.

[7] Os empresários sentem o clima e decidem investir por conta do crescimento (investimento real) ou então guardar os recursos para melhores dias (investimento financeiro). O mesmo faz o indivíduo em relação a aquisição ou reforma de imóvel e ao mercado de investimentos. Por isso o estimulo a um clima pessimista, por si só, inibe o crescimento nacional

[8] Para aumentar o investimento na economia real será necessário resolver o problema institucional das altíssimas taxas de juros pagas pelo Governo competindo com o investimento produtivo. Vale dizer que não existe na teoria econômica nenhuma sustentação ao combate a inflação mantendo juros elevados durante décadas. Eles funcionam para conter a demanda em um período curto e tem o inconveniente de multiplicar a oferta de dinheiro no médio prazo, o que pode realimentar a inflação. Além disso, se era possível “enxugar” o mercado nacional nos tempos onde o trânsito de dinheiro com o exterior era limitado, é virtualmente impossível fazer o mesmo com o dinheiro do mundo. Além disto, quando o investimento especulativo externo é atraído, sua conversão em reais pressiona o câmbio para baixo prejudicando a rentabilidade dos investimentos destinados a exportação.

[9] As relações de troca ou termos de troca medem os preços relativos dos produtos exportados pelo país em relação ao que eles importam.

[10] ECENTEX/COPPE/UFRJ e Organização Economia e Energia – e&e

[11] A respeito, consultar o livreto Vanguarda: Caminho para o Desenvolvimento Sustentável em http://ecentex.org. Seu modelo de Redes Nacionais de Vanguarda tem estrutura e objetivos em tudo semelhantes aos da recém lançada EMBRAPI e do seu projeto piloto, o que recomenda sua consideração para acelerar o desenvolvimento dessa empresa e, também, aproveitando o momento, criar redes assemelhadas nos setores da educação, da saúde, da segurança, do turismo, dos esportes etc.

[12] O Brasil desfruta de uma conjuntura em que é possível crescer ainda a produtividade de capital que está abaixo da esperada no estágio em que está no seu desenvolvimento. A tendência histórica deste parâmetro é o decrescimento na medida que cresce o PIB/hab  e o custo da mão de obra. Para continuar crescer nos próximos períodos será necessário maiores taxas de investimento e agregar tecnologia e inovação em uma escala crescente a seus produtos para manter ou continuar aumentando a produtividade de capital.

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Wednesday, 17 October 2012
.

Contador de visitas