Economia & Energia
Ano XII-No 68
Junho - Julho 2008
ISSN 1518-2932

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A Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos – - uma experiência memorável!

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A Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos – uma experiência memorável!

Luiz Philippe da Costa Fernandes (1)

Vice-Almirante (Ref)

I – Antecedentes

Nos primeiros anos da década de 90, a delegação de Portugal junto à Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) propôs que fosse organizada, em nível mundial, uma grande conferência internacional sobre o mar. Tal iniciativa, de autoria do então presidente português Mario Soares, após aprovação unânime na COI, teve calorosa acolhida na Unesco, que elegeu 1998 como o Ano Internacional dos Oceanos, e na própria Assembléia Geral das Nações Unidas.

Convidado pela ONU e pela Unesco, Mário Soares concordou em presidir uma comissão mundial, com o propósito de elaborar um relatório independente sobre os oceanos, a ser apresentado na Conferência Internacional sobre os Oceanos, em fins de 1998, no contexto do Ano Internacional dos Oceanos e em conjunto com a realização, em Lisboa, da EXPO-98 – "Os Oceanos: Um Patrimônio para o Futuro".

Em decorrência, constituiu-se uma Comissão Mundial Independente sobre os Oceanos (CMIO), composta por 40 personalidades das mais expressivas ligadas ao mar, convidadas em sua condição pessoal, mas buscando refletir em sua composição a representatividade geográfica e por disciplinas, entre países industrializados e em desenvolvimento. Tal comissão buscou inserir-se em uma série de outras organizações semelhantes, como a Comissão Willy Brandt para as Relações Norte-Sul, a Comissão Gro Brundtland sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento e a Comissão Ingvar Carlsson sobre Governabilidade Global, entre outras.

De nosso país, passou a compor a CMIO o então Ministro da Ciência e Tecnologia – Dr. José Israel Vargas, que assumiu a Vice-Presidência para a América do Sul, e o então Embaixador na Índia – Luis Filipe de Macedo Soares.

Por estímulo da CMIO, que considerou desejável a formação de comissões assessoras nacionais nos países nela representados, formou-se, no Brasil, a Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos (CNIO), integrada por cerca de uma vintena de figuras das mais representativas do cenário marítimo brasileiro, incluindo três ex-ministros de

Estado e, naturalmente, cientistas e representantes da diplomacia, do empresariado ligado ao mar e do Direito Internacional Marítimo.

A CNIO foi ativada no dia 19 de abril de 1996, na Academia Brasi-leira de Ciências, sob cuja égide passou a funcionar, em sessões plenárias regulares ou em grupos de trabalho.

Na última sessão plenária da Comissão Mundial Independente sobre os Oceanos, realizada em setembro de 1998, foi aprovado, formalmente, seu relatório final, intitulado "O Oceano: Nosso Futuro".

II – Principais Atividades da CNIO

Constituída a CNIO, passou ela a funcionar como uma organização de alto nível, produzindo documentos de apoio ao posicionamento dos participantes brasileiros na CMIO.

Em 1998, a Comissão Nacional elaborou o trabalho "Os Usos dos Oceanos no Século XXI – A Contribuição Brasileira" (131 páginas e quatro anexos) que, vertido para o inglês foi apresentado formalmente à Comissão Mundial pelo Ministro Israel Vargas. Nele, constam os trabalhos e conclusões da CNIO sobre os importantes assuntos a que se referem seus seis capítulos: Usos Pacíficos dos Oceanos; Soberania e Segurança; Arcabouço Legal e Institucional; O Uso dos Oceanos no Contexto da Sustentabilidade; Promessas e Desafios em Ciência e Tecnologia; Conscientização, Parceria e Solidariedade no Uso do Mar e Conclusões. Sem nenhum favor, cabe indicar que a iniciativa foi muito bem recebida pela CMIO.

Na seqüência, foi adotada uma importante decisão: aproveitar-se todo o cabedal de conhecimento acumulado ao longo do funcionamento da CNIO e produzir um relatório, em nível nacional. Mais ainda, orientar tal Relatório de forma que pudesse ser da maior utilidade possível às lideran-ças públicas nacionais, aos tomadores de decisão em nosso país (decision makers, na feliz expressão em língua inglesa).

Tal relatório, intitulado "O Brasil e o Mar no Século XXI – Relatório aos Tomadores de Decisão do País", constitui documento de caráter inédito, de vez que apresentou um diagnóstico sobre todos os principais assuntos relacionados ao mar brasileiro.

Foi dividido em cinco partes que se desdobram em 16 capítulos. As partes incluem os seguintes títulos: Aspectos Jurídicos e de Segurança; O Brasil e seus Interesses Econômicos no Mar; Aspectos Científicos e Tecnológicos; A Perspectiva Brasileira e Conclusões. Os capítulos componentes versam, em 408 páginas, sobre: O Brasil no Contexto do Direito de Mar; O Brasil e a Segurança no Mar; A Exploração de Petróleo; Os Recursos Minerais; A Pesca; A Aqüicultura; A Marinha Mercante; Os Portos; A Construção Naval; Os Ecossistemas Costeiros; O Turismo Marítimo;
A Poluição Marinha em Águas Nacionais; O Desenvolvimento Sustentável sob o Ponto de Vista Brasileiro; O Brasil e o Conhecimento Científico e Tecnológico de seu Mar; O Mar visto pelo Brasileiro; Em Prol do Desenvolvimento da Mentalidade Marítima do Povo Brasileiro e Conclusões.

Na elaboração do trabalho, além de consultorias de renomados especialistas, foi adotada uma sistemática que, a par de se revelar muito trabalhosa, rendeu esplêndidos frutos: a realização de workshops em diversas regiões do país, contando com Universidades, empresários e políticos, visando assegurar a adequada abrangência no conhecimento dos problemas existentes em cada setor e de suas possíveis soluções. Tal enfoque já fora experimentado quando da elaboração do Relatório à CMIO, mencionado anteriormente, com sucesso, junto às universidades federais dos estados de Pará (UFPA) e de Pernambuco (UFPE), Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Assim, para a preparação de "O Brasil e o Mar no Século XXI" foram realizados: o Workshop Regional sobre a Utilização Sustentável dos Oceanos, com a Universidade Federal do Estado do Ceará (UFCE); o workshop intitulado Repensando o Mar para o Século XXI, com a Univer-sidade Federal do Estado de Santa Catarina (UFSC); e, com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), um com denominação idêntica ao que foi realizado em Santa Catarina. Naturalmente, com tal procedimento, assegurou-se outra vantagem, não desprezível: o aumento da mentalidade marítima em meios acadêmicos.

Resta indicar que, visando maior objetividade do Relatório, ao final de cada um de seus capítulos constam, de forma destacada, algumas recomendações, julgadas mais relevantes.

Além dos 16 capítulos já mencionados, o Relatório possui ainda quatro anexos, parecendo conveniente apresentar algumas consideram sobre o Anexo B – Resultados de Pesquisa de Opinião Pública sobre o Mar, realizada no Brasil.

Na 6a reunião da CNIO, após apreciar documento que fora distribuído na sessão plenária anterior da Comissão Mundial – uma pesquisa de opinião realizada em 1996, nos Estados Unidos da América, pelo Mellman Group – decidiu a Comissão Nacional patrocinar uma pesquisa em nosso país, mais ambiciosa, de forma a cobrir todos os setores de interesse ligados ao mar, incluindo, também, a Poluição Marinha e o Direito do Mar. No caráter abrangente do trabalho, um de seus méritos: ao que se saiba, essa foi a primeira pesquisa do gênero realizada no Brasil, sobre o mar.

Contratado o Instituto Gallup, foram redigidas, pelos membros da Comissão Nacional mais afetos a cada um dos setores/assuntos abrangidos, 48 perguntas, que receberam a formulação técnica
naquele Instituto.

Os trabalhos de pesquisa estenderam-se por dois meses, e cobriram um universo de 2.130 entrevistas com adultos residentes em 111 cidades do litoral e do interior, dispersas por 18 estados. As entrevistas distribuíram-se em termos de sexo, classe socioeconômica, grupo de idade, posição na família, tamanho da cidade e de região geográfica, obedecendo-se, proporcionalmente, às melhores indicações estatísticas disponíveis no País. Matematicamente, a margem de erro que incide sobre os dados obtidos na pesquisa foi, no máximo, de 2,2%.

A seguir, algumas das conclusões mais interessantes, com base em tal pesquisa:

- Quanto à existência de uma Mentalidade Marítima no país, a resposta foi afirmativa, de vez que 80% dos brasileiros consideraram o mar importante ou muito importante, principalmente os que possuem instrução superior (96%), e os das classes A (92%) e B (89%). Atribuíram especial importância ao mar os habitantes do litoral (85%), os da região Nordeste (83%) e os das capitais (83%).

O mar foi mais lembrado como fonte de alimentos (48%) e de lazer (34%), o que significa que, embora considerado importante, o brasileiro médio visualizava o mar basicamente como fonte de pescado e em termos de aproveitamento lúdico. De fato, apenas 12% consideraram o mar importante como fonte energética (petróleo) e como meio de transporte.

- Sobre a Exploração de Petróleo off-shore, apenas 7% da população consideravam o mar importante como fonte de petróleo. Tal exploração foi julgada mais importante do que a em terra, mas apenas 7% sabiam que a maior parte da produção total era proveniente do fundo do mar.

A eficiência da PETROBRAS foi reconhecida, implicitamente, pela população: entre as dez atividades marítimas que foram listadas, a extração de petróleo despontou como a que estava em melhor situação, no país (58%). Entretanto, 46% dos brasileiros achavam que as empresas petrolíferas não se preocupam em evitar a poluição no mar.

- Com respeito a Portos, Construção Naval e Marinha Mercante: cerca de metade (48%) considerou que nossos portos funcionavam mal, distribuindo-se a culpa de tal situação entre as autoridades portuárias, a falta de investimentos e os próprios portuários.

Em contrapartida, quatro em cada cinco brasileiros achavam muito necessário para o País ter uma indústria de construção naval e possuir uma marinha mercante. Com respeito à indústria naval, curiosamente, os habitantes das regiões Norte/Centro Oeste e Nordeste valorizavam-na mais do que os das regiões Sudeste (RJ – sede dos maiores estaleiros de construção naval do País !) e Sul. Quanto à Marinha Mercante, cerca de 60% dos brasileiros julgavam necessária a existência de uma navegação de cabotagem com navios nacionais, principalmente os moradores da região Nordeste. Da mesma forma, a utilização de navios brasileiros para escoar nossos produtos de exportação foi julgada importante por quatro em cada cinco brasileiros. Entre dez atividades marítimas listadas, o funcionamento dos portos e a indústria naval situavam-se nas terceira e quarta piores colocações.

- Relativamente à Pesca, os brasileiros indicaram consumir mais carne bovina (85%) e de frango (87%) do que pescado. Como justificativa para o baixo consumo do peixe, o brasileiro (e principalmente o habitante do litoral) alinhou o seu preço (36%), a falta de hábito (18%), a falta do produto (16%) e a própria resistência ao seu consumo (12%). A pesca foi alinhada na quarta melhor situação, entre dez atividades marítimas relacionadas. Ficou patente a preferência pela criação de peixes, mariscos e crustáceos (33%), em contrapartida à atividade pesqueira.

- A Poluição Marinha constitui-se a terceira maior fonte de preocupação em relação ao mar (45%), de modo geral e a primeira, com respeito à poluição das praias (56%). Nossas praias, na opinião dos brasileiros, estavam poluídas em sua maioria, devendo-se o fato ao lixo dos freqüentadores (45%), ao esgoto urbano, aos óleos e resíduos e à poluição dos rios. O brasileiro tinha consciência de que a poluição nas praias é prejudicial ao homem (91%), mesmo para quem não as freqüenta (68%).

O cuidado com a natureza também se traduziu pelo sentimento de que é necessário proteger os animais marinhos em extinção (75%), pela importância atribuída aos manguezais (58%) e pela opinião apresentada por nove em cada dez brasileiros de que, quando da extração de riquezas naturais do fundo do mar, é necessário o máximo cuidado ecológico.

- A respeito da Pesquisa Oceanográfica, sete em cada dez brasileiros acreditavam que o maior conhecimento do mar pode trazer benefícios à humanidade. Para 42%, as descobertas nos oceanos e em seu fundo foram consideradas mais importantes do que as espaciais.

O interesse manifestado na preservação da natureza, conforme já indicado, reconhecia, implicitamente, a importância da pesquisa do mar e/ou do monitoramento permanente de condições oceanográficas.

- Nossa Marinha de Guerra, entre os 10 setores de atividades marítimas relacionados, foi apontada pela população brasileira na terceira melhor situação (24%, após a extração de petróleo, com 58%, e o mar como fonte de lazer e turismo, com 34%). Sobre nossa Marinha, ante a pergunta formulada se ela devia ser "mais forte do que a atual", "igual à de hoje" ou "bem pequena", 61 % da população brasileira inclinavam-se, na ocasião, pela primeira alternativa.

Ao final, um realce, algo desanimador: embora mencionado que 80% dos brasileiros consideravam o mar importante ou muito importante, os resultados de tal pesquisa, após divulgados em entrevista à imprensa, mereceram, apenas, algumas notas reduzidas, em um ou outro jornal.

III - Conclusão - Perspectiva futura

Considerei uma honra e uma excepcional oportunidade profissional o exercício de minhas funções de Secretário-Executivo da Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos. A Comissão Nacional permitiu enriquecer experiências e espraiar horizontes que se situaram além das vivências profissionais anteriores de cada um de seus integrantes; no meu caso, como Diretor de Hidrografia e Navegação e como Secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Após mais de dois anos de trabalho na CNIO, faço juízo de valor extremamente favorável à CNIO e ao papel impar e independente que desempenhou no cenário nacional.

E por que acabou a Comissão, se teve papel tão relevante e promissor? Afinal é reconhecido o aforismo que afirma: não se mexe em time que está ganhando. Bom, forçoso é reconhecer que, com base no mandato original recebido, no momento em que a Comissão Mundial encerrou suas atividades, não haveria mais necessidade de uma Comissão Nacional que funcionava em paralelo. Creio que faltou, no caso, um novo mandato para a CNIO (ou Comissão que se sucedesse) visando possibilitar a continuação de suas atividades. Mas, de toda sorte, acredito, também, convictamente, que se impõe a criação de uma nova Comissão, nos mesmos moldes.

Ademais, parece imperioso que o relatório O Brasil e o Mar no Século XXI, passadas duas décadas após sua divulgação, venha a ser atualizado e volte a ficar disponível aos nossos decision-makers. Aliás, chega a ser alentador verificar como, em relação ao mar, vinte anos foram capazes de alterar tão significativamente nossa realidade, mormente no que diz respeito à exploração de petróleo off-shore e à construção naval.

Assim, a recomendação única do capítulo XVI do Relatório parece profética ao indicar que se faz mister "atualizar, periodicamente, o levantamento e a exposição criteriosa sobre os temas aqui [no Relatório] estudados, tendo em vista a extrema importância do Mar para o Brasil"

Quem se habilita a tornar possíveis tão meritórios propósitos?

 


[1]  Ex-Secretário-Executivo da comissão Nacional Independente sobre os Oceanos

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Wednesday, 19 October 2011
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