Economia & Energia
Ano 2006 - No 55:
Abril-Maio
ISSN 1518-2932

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A Evolução da Concentração de Metano na Atmosfera

Cenário Macroeconômico Horizonte 2026:

Resultados para Cenário de Referência

Variáveis determinantes do Crescimento no Brasil
Nota 1:A Poupança Interna 

 

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Texto para Discussão:
 

Cenário Macroeconômico Horizonte 2026:

Variáveis determinantes do Crescimento no Brasil Nota 1:A Poupança Interna 

Introdução

A Organização Economia e Energia e&e está publicando sua projeção de crescimento econômico neste número da Revista e&e. A primeira projeção desse tipo foi publicada há dez anos no livro “Brasil: O Crescimento Possível[i].

A metodologia foi incorporada no software projetar_e onde o crescimento econômico é calculado a partir da projeção de algumas variáveis  que determinariam seu comportamento. O cenário de referência agora publicado prevê o crescimento econômico supondo a manutenção da tendência histórica, mas procurando captar mudanças observadas nos últimos anos.

De modo geral, a projeção de cada variável é feita definindo um valor futuro que representa sua tendência. Esse valor é fixado por um processo de consenso onde se leva em conta o comportamento histórico para o Brasil e  valores de referência de outros países.  Definido este ponto futuro, passa-se por ele uma curva ajustada aos valores históricos obtendo-se a evolução esperada da variável.  O software busca facilitar o processo de consenso para introduzir os valores exógenos e calculando sua repercussão no crescimento do PIB e sobre outras variáveis de maneira que não sejam ultrapassados alguns limites físicos e financeiros estabelecidos previamente para a economia.

Além disto, a e&e realiza estudos destinados a subsidiar a escolha de valores a serem usados na projeção. Esta nota é resultado de um destes estudos e é a primeira de uma série sobre os principais parâmetros de projeção do cenário macroeconômico.  

Os objetivos desta nota são:

1.       Comparar duas previsões anteriores da evolução do PIB, usando a metodologia em questão com o efetivamente acontecido.

2.       Estudar a evolução da poupança interna, parâmetro de entrada usado nas projeções, comparando as previstas com a efetivamente observada.

3.       Estudar a influência dos juros reais sobre a poupança interna buscando uma possível correlação que possa ser usada posteriormente nos exercícios de projeção.

 

O Crescimento é Possível?

A projeção do crescimento econômico é crucial na avaliação da demanda energética de médio e longo prazo e peça fundamental na política de desenvolvimento nacional. Nesse trabalho, a exemplo do que foi feito anteriormente em várias oportunidades, serão consideradas as limitações ao crescimento econômico brasileiro.

A metodologia a ser adotada está baseada na identificação de tendências de longo prazo observadas na economia brasileira nos últimos cinqüenta anos. A oportunidade coincide com os dez anos do lançamento do livro onde a metodologia foi, pela primeira vez, aplicada em sua forma completa. O livro, editado em plena euforia do Plano Real, apontava para as dificuldades que persistiam para o crescimento brasileiro contrariando o quase consenso da época de que a liberalização lançaria o Brasil em uma trajetória de crescimento sustentado. O horizonte da projeção era o ano de 2003. Também serão analisadas projeções realizadas no ano de 1999, já usando o atual software, em trabalho para a Matriz de Emissões que se acha publicado no Nº 19  Março/Abril 2000 da Revista Economia e Energia.

A ocasião é, pois, propícia a que se efetue, simultaneamente com uma nova rodada de projeção, uma revisão de resultados das projeções anteriormente realizadas Este exercício deverá permitir, inclusive, uma visão crítica da metodologia e da forma de aplicá-la.

Deve-se reconhecer que o acerto nas projeções e a confirmação de parte do diagnóstico tornam essa revisão mais estimulante o que certamente não aconteceria se estivéssemos lidando com uma previsão de crescimento completamente equivocada. É bom esclarecer logo que nem tudo foi acerto e na análise já realizada até aqui se destacaram algumas compensações entre fatores que cancelaram erros na projeção.

Usando esse programa foi gerado um Cenário Macroeconômico de Referência para projetar a evolução da economia brasileira e das regiões macroeconômicas. A presente análise visa a revisão desse cenário de referência que acha-se aberto a outras aproximações.

Projeções Anteriores do PIB

A aplicação da metodologia, em duas ocasiões anteriores, gerou as projeções do PIB mostradas na Figura 1. As projeções do livro correspondem a situações consideradas como limites, que seriam a continuação com a política de estagnação no crescimento (sem modificações) que geraria um crescimento médio de 1,6% ao ano, a considerada como de máximo crescimento (limitando a intensidade de capital e valorizando as exportações) que geraria um crescimento médio de 3,5% ao ano e a intermediária (e mais provável) onde haveria uma redução na intensidade de capital que geraria um crescimento anual de 2,5%. Na Figura 1 são mostradas a projeção intermediária do livro e a projeção para a matriz das emissões (1999). Os resultados das duas projeções podem ser considerados bastante satisfatórios, sendo que o crescimento até 2003 coincide com o da primeira projeção.

Figura 1: Projeções do Produto Interno Bruto do livro Brasil: O Crescimento Possível (sem modificações, limitando a intensidade de capital e, cumulativamente, valorizando exportações). Também são apresentados as projeções de 1999 e os valores efetivamente verificados.

O Hiato da Poupança Interna e os Juros Reais :

Um dos principais fatores a ser considerado no crescimento brasileiro é a capacidade de poupança interna. A poupança interna é historicamente o motor do desenvolvimento de todos os países. Não existe exemplo de país de porte que tenha alcançado o desenvolvimento sem que o do investimento interno fosse largamente predominante. No livro[ii] mostrou-se que o investimento externo representava 3,2% do investimento histórico entre 1962 e 1992 e 2,5% entre 1947 e 1992. Entre os anos de 1992 e 2002 a participação externa nos investimentos subiu para 4,4%. No entanto, como a partir de 2001 o Brasil passou a exportador líquido de capitais o saldo acumulado entre 1993 e 2005 é negativo (-3,1%), ou seja, o Brasil enviou mais capital ao exterior que recebeu.

Na Figura 2, mostra-se a evolução histórica dos dados disponíveis na elaboração da projeção para 2003 que é comparada com a trajetória real observada em valores correntes e a preços de 1980.

Figura 2: Evolução da poupança interna no Brasil com projeção baseada em dados históricos até 1992 e valores efetivamente observados.

A projeção supunha uma curva do tipo logística onde a poupança interna tenderia a 35% do PIB. O que se pode observar é que houve, a partir de 1990, um hiato na taxa de poupança interna com uma queda de 8% em percentual do PIB (cerca de 30% do valor esperado). Esta queda se deu em duas etapas: a primeira em virtude do Plano Collor e a segunda que se seguiu aos planos Collor e Real. A partir do ano 2000 houve uma nítida recuperação da poupança interna. Note-se também o pico de poupança em valores correntes (não acompanhado pelos valores reais) que precedeu ao calote interno no Plano Collor, associada, portanto, a uma supervalorização dos ativos reais[iii]. Note-se que, no conceito das contas nacionais, a poupança interna consiste na fração do PIB não consumida internamente e refere-se a bens reais.

Nas projeções dos anos seguintes houve a necessidade de interpretar o comportamento da poupança interna para tentar determinar se a queda da primeira metade da década de noventa marcava uma mudança de comportamento da economia brasileira ou um movimento transitório. Em outras variáveis históricas é comum observar mudanças bruscas de comportamento seguidas de uma retomada da tendência anterior que correspondem a um fenômeno como o de histerese onde se verifica um gradual retorno à situação original, mas com um transiente determinado pelas características do sistema. A opção adotada foi a de supor que se tratava de um transiente; passadas as causas que motivaram a mudança, a tendência histórica seria retomada.

Na Figura 3, mostra-se a extrapolação da poupança interna adotada para o cenário referencial. O comportamento previsto era a retomada da tendência anterior, o que efetivamente se verificou como pode sr visto mais adiante.

Figura 3: Trajetória da poupança interna projetada em 1999 que previa uma recuperação da tendência anterior de poupança interna que fora quebrada na primeira metade da década de noventa. A recuperação prevista realmente verificou-se, como é mostrado na Figura 6.

É interessante observar na Figura 4 o comportamento da poupança interna (relativa a bens não monetários) em relação às taxas de juros reais praticadas nos títulos do Governo. O gráfico mostra o comportamento dos juros reais mensais que apresentam, a partir de meados dos anos oitenta, períodos de juros reais positivos seguidos de confiscos em cada plano econômico. Também é mostrado o valor corrigido da inflação (IGPM) de um investimento de 100 unidades monetárias em janeiro de 1970. Até 1979 (2º choque de preços de petróleo) o suposto investidor se contentara em defender seu dinheiro contra inflação, a partir daquele ano os juros reais foram persistentemente negativos e o valor real chegou, ao final de 1982, a apenas 60% do valor inicial.

A partir daí houve uma recuperação do valor investido que permaneceu estável entre 1986 e 1988 (próximo ao valor de 100). No período que antecedeu ao Plano Collor houve um período de juros positivos que foi cancelado com aquele plano. Foi a partir da gestão do Ministro Marcílio Marques Moreira (fevereiro de 1992) que se estabeleceu a política atual de juros altos onde as quedas da remuneração real de títulos do governo na implantação do Plano Real e na transição entre os governos FHC e Lula podem ser consideradas como “acidentes de percurso” que foram prontamente recuperadas nos meses seguintes.

O infeliz cidadão que confiou suas economias ao Governo em janeiro de 1974 havia obtido, em Setembro de 1991, uma remuneração de 13% por todo o período (0,7% ao ano). Nos anos seguintes, entretanto, veria o valor real de sua aplicação multiplicar-se por um fator seis obtendo o fantástico retorno médio de 13% ao ano.

Caixa de texto: Acumulado

Caixa de texto: Taxa

Figura 4: Juros reais mensais e valor real de uma aplicação de 100 unidades monetárias em janeiro de 1974.

As razões da redução da poupança interna são de natureza complexa e dificilmente poderiam ser atribuídas a um único fator. Sua vinculação ao aumento da taxa de remuneração das aplicações financeiras no longo prazo parece, entretanto, natural já que as aplicações especulativas competem com o investimento real.

Na Figura 5 estão representadas as taxas de juros (média móvel de sete anos) e a poupança interna, estando o comportamento dentro do esperado. O investidor de longo prazo trabalha com as tendências históricas de prazo semelhantes ao da aplicação, na medida em que os ganhos financeiros de longo prazo passam a superar o das aplicações reais e observa-se uma retração nos investimentos produtivos.

Figura 5: O hiato na poupança interna, observado a partir de 1990, parece inversamente correlacionado com a remuneração real dos títulos governamentais no Brasil.

Projeção da Poupança Interna:

O programa projetar_e baseia-se na extrapolação de dados passados, e no estabelecimento de valores futuros para alguns parâmetros por um processo de consenso. Para auxiliar este consenso pode-se observar valores para outros países ou procurar o melhor ajuste para os dados históricos existentes. No caso o melhor ajuste é para uma poupança de 25%, o que é coerente com o comportamento dos últimos anos.

A poupança interna e externa e o investimento, para vários países, estão indicados na Tabela 1. A média mundial para a taxa de poupança interna é de 21%, a da zona do Euro. Em relação aos investimentos externos, os EUA continuam, não obstante continuarem a ser encarados como fonte de investimentos, os maiores importadores de capital com sua taxa de investimento dependendo fortemente (e perigosamente) dos investimentos externos[iv]. Os países do terceiro mundo, com notáveis exceções de China e Índia, são hoje os grandes exportadores de capital. O Brasil, que deixou de ser exportador de capital por alguns anos (enquanto durou a euforia do real e a queima de ativos), voltou à condição de exportador de capital nos últimos cinco anos. Como foi mostrado mais no artigo precedente, esta é a razão pela qual o aumento da poupança interna não resultou no correspondente incremento no investimento.

Os valores da poupança interna representam a parte do PIB não absorvido pelo consumo aparente (inclui variação de estoques), ou seja:

Poupança Interna/PIB = 1 – Consumo Aparente/PIB

A poupança externa representa a entrada líquida de bens e serviços no País:

Poupança Externa/PIB = (Importações de Bens e Serviços – Exportação de Bens e Serviços)/PIB

Assim, a poupança externa representa a entrada líquida de bens e serviços no País[v]. Tem-se, portanto:

Investimento = Poupança Interna + Poupança Externa

No estabelecimento do cenário de referência a projeção da poupança interna foi obtida a partir de ajuste dos dados históricos e considerando um limite de 30% no longo prazo. A extrapolação fornece uma projeção da poupança interna que atingiria cerca de 26% em 2025. A constante de tempo para “casar” o ajuste com o dado histórico foi tomada como de 3 anos.

Um cenário alternativo poderia considerar a tendência observada até o final da década de oitenta como a esperada para o futuro. Neste caso, o limite para a poupança externa seria mantido em 35% do PIB. A retomada da poupança interna observada nos últimos anos prosseguiria. A representação da evolução da poupança interna adotada no cenário de referência e a do cenário alternativo estão representadas na Figura 6.

  

Tabela 1:

Média 2000 a 2004

 

Poupança Interna

Poupança Externa

Investimento

AUSTRÁLIA

21,9%

3,1%

25,0%

CANADÁ

24,8%

-4,8%

20,1%

REP. CHECA

24,8%

4,0%

28,8%

FRANÇA

19,8%

-0,5%

19,3%

ALEMANHA

22,2%

-2,4%

19,8%

ITÁLIA

14,7%

5,1%

19,8%

JAPÃO

26,8%

-1,7%

25,1%

COREiA

34,8%

-4,8%

30,0%

MÉXICO

18,1%

2,2%

20,3%

PORTUGAL

15,8%

10,2%

26,0%

REP. ESLOVACA

24,4%

1,9%

26,4%

ESPANHA

22,7%

3,8%

26,5%

SUÉCIA

24,7%

-7,9%

16,8%

SUIÇA

27,9%

-5,9%

22,0%

TURQUIA

14,5%

3,3%

17,8%

REINO UNIDO

13,6%

3,4%

17,0%

ESTADOS UNIDOS

14,4%

4,6%

19,1%

Área do Euro

22,2%

-1,4%

20,7%

BRASIL

20,3%

-1,6%

18,8%

CHILE

24,5%

-3,5%

21,0%

ARGENTINA

22,2%

-6,9%

15,3%

VENEZUELA

26,4%

-13,3%

13,1%

América do Sul

19,7%

-2,3%

17,4%

CHINA

40,0%

-0,6%

39,5%

íNDIA

22,0%

0,1%

22,1%

INDONÉSIA

27,8%

-6,8%

21,0%

MALÁSIA

43,3%

-19,4%

23,9%

RÚSSIA

31,6%

-13,8%

17,8%

TAILÂNDIA

31,5%

-8,5%

23,0%

VIETNAM

26,2%

4,1%

30,2%

Mundo

21,2%

-0,1%

21,1%

 

Figura 6: Projeção da Poupança Interna no Cenário de Referência e Alternativo, este último supõe que seria retomada a tendência observada até ao final da década de oitenta e que a retomada da trajetória de poupança interna seria retomada.

 

Conclusões sobre a Poupança Interna

A Poupança Interna[vi] sofreu um hiato em relação à tendência observada historicamente até os últimos anos da década de oitenta. A partir do ano de 2000, esta tendência foi parcialmente revertida. A recuperação da poupança interna se deu, no entanto, para incrementar as exportações não tendo até o ano de 2005, apresentado reflexo visível sobre os investimentos[vii] .

O hiato na poupança interna e a expressiva transferência de recursos para o exterior que se verifica nos últimos anos (a ser abordada em outra nota) têm conseqüência direta negativa na capacidade de investimentos e sobre o crescimento da economia.

A queda na poupança interna se mostrou estreitamente relacionada com a taxa real de juros paga pelo Governo em seus títulos. A opção entre a aplicação em investimentos reais e financeiros mostrou estar logicamente relacionada com a taxa de juros reais pagas aos investidores.

A recuperação da poupança interna mostra, por outro lado, que a parte mais dolorosa para a retomada do investimento (contenção do consumo) foi, em boa parte, realizada nos últimos anos. Isto abre perspectiva para um maior crescimento econômico. A redução da taxa real de juros é, entretanto, determinante para completar a recuperação da poupança interna.

Os resultados do Cenário de Referência, expostos no artigo precedente, não levam em conta a possível retomada da trajetória observada até 1990. Isto poderia conduzir a taxas maiores de crescimento econômico. Brevemente serão apresentadas notas complementares sobre variáveis importantes na projeção do crescimento como a produtividade do capital[viii] e do saldo do comércio externo que determina a contribuição da poupança externa para o investimento.

 


 

[i] Brasil: O Crescimento Possível _ Editora Bertrand do Brasil 1996. Todas as citações ao “livro” neste trabalho se referem a esta publicação.

[ii] Todas as referências ao “livro” referem-se à publicação mencionada na nota de pé de página anterior.

[iii] Esta sobrevalorização dos preços dos bens reais indica a desconfiança do mercado sobre a iminência da ruptura financeira que se efetivou com aquele plano.

[iv] Esta situação já existia em 1994 mas os EUA continuam, no imaginário coletivo, a serem os fornecedores de capital do mundo.

[v] Trata-se de bens e serviços reais (não inclui os serviços da dívida).

[vi] A poupança interna, assim como outros conceitos como investimento – associado á formação bruta de capital fixo – é feita aqui na abordagem não financeira implícita no mecanismo de apuração das Contas Nacionais,

[vii] Ver apresentação de resultados do cenário de referência neste número.

[viii] Entenda-se produtividade do estoque de bens de capital.

 

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Thursday, 27 July 2006
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