Economia & Energia
Ano IX -No 50:
Junho-Julho
2005 
ISSN 1518-2932

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Estoque de Capital na América Latina: 1950-2000

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 Artigo:

Estoque de Capital na América Latina: 1950-2000[1]

Marcos Souza (*)

masouza@ecen.com

Aumara Feu (**)

aumara-feu.souza@fazenda.gov.br.


RESUMO

Este estudo calcula o estoque de capital, segundo o método do estoque perpétuo, para países da América Latina de 1950 a 2000, em nível agregado e por tipo de bem: máquinas e equipamentos e bens de construção. As séries construídas servem de insumo para a análise do crescimento dos países da América Latina. Adicionalmente, analisamos a composição e a tendência do investimento e do estoque de capital nos países da região, bem como da produtividade média e marginal do capital. Os resultados demonstram significativa queda da produtividade média do capital de 1960 a meados da década de 80. O comportamento decrescente da produtividade média do capital também tende a se reverter, caso se mantenha a maior produtividade marginal observada na década de 90.

Palavras-chave: capital, investimento, produtividade, crescimento e América Latina.

Classificação JEL: E22, O54


 

1.            Introdução

O estoque de capital é variável explicativa na maioria dos modelos de crescimento da teoria econômica. Segundo Ferreira, Issler e Pessoa (2003), o capital explica 49% do crescimento, quando considerado no sentido amplo, e 21%, quando se retira do capital o efeito indireto da produtividade.

O peso desse fator no crescimento econômico, bem como sua escassez relativa nos países em desenvolvimento, tornam a estimativa do estoque de capital, da produtividade média e marginal do capital, determinantes tanto para o entendimento das possibilidades de crescimento quanto na análise da experiência de crescimento dos países membros da América Latina.

Apesar disso, inexistem séries de estoque de capital que abrangem o período e o conjunto de países analisados neste trabalho: 1950-2000 e dezoito países da América Latina[2]. De Gregório (1992),  por exemplo, ressente-se da falta desses dados, quando analisa os determinantes do crescimento econômico de 12 países latinos americanos no período de 1950 a 1985.

Hofman (2000), contudo, fornece o estoque de capital para sete países da América Latina de 1950 a 1994 e a Penn World Table 5.6 (PWT 5.6) para uma amostra de 63 países, dentro os quais 13 pertencem à América Latina, para o período 1965-1992. Ressaltamos, no entanto, que a nova versão da Penn World Tables, PWT 6.1, Heston et al. (2002) não apresenta as séries de estoque.

Assim, o objetivo deste trabalho é estimar o estoque de capital, agregado e por tipo de bem: máquinas e equipamentos e bens de construção, por meio do método de estoque perpétuo (MEP), para 18 países latino-americanos (1950 a 2000).

O Método de Estoque Perpétuo consiste na soma dos investimentos passados, descontados da depreciação, e foi utilizado pela primeira vez por Goldsmith (1951). Na literatura, continua sendo amplamente adotado por sua transparência e simplicidade como, por exemplo, em Hofman (2000), Morandi e Reis (2004) e Aumara Feu (2003)[3].

Como o investimento é insumo na determinação do estoque, analisamos o comportamento e a composição dessa variável no período, discutindo, também, o reflexo do investimento e do estoque de capital no comportamento da produtividade marginal e média do capital.

Cabe destacar, preliminarmente, que encontramos queda da produtividade média do capital no período, conseqüência da menor produtividade marginal observada de 1960 a meados da década de 80. Essa menor produtividade do capital explicaria parte do fraco desempenho econômico da região na década de 80 e 90. A boa notícia, contudo, advém da constatação de que, caso persista a elevação da produtividade marginal, observada na década de 90, podemos esperar uma elevação da produtividade média do capital para os próximos anos.

Desse modo, este trabalho está dividido em quatro seções, incluindo esta introdução e a conclusão. A Seção 2 descreve a metodologia utilizada no cálculo dos estoques de capital para os países da América Latina de 1950 a 2000 e a Seção 3 discute alguns resultados: como a composição e o comportamento do investimento e da produtividade marginal e média do capital. Os resultados são apresentados na forma de tabelas nos anexos e são analisados de forma agregada, para a América Latina e o MERCOSUL[4], destacando alguns comportamentos relevantes por país, principalmente, no que concerne ao Brasil.

2.            Metodologia

A aplicação do MEP depende de três fatores: (i) da estimativa do tempo de vida do capital considerado como normal; (ii) da função de depreciação, utilizada para calcular a depreciação do capital no tempo, e (iii) do período disponível da série de investimento.

Quanto aos dois primeiros fatores, usaremos o tempo de vida (v) estimado pela OCDE (1999): 19 anos para máquinas e equipamentos (M&EQP) e 48 anos para bens de construção (CONST), e função de depreciação linear com defasagem.

Suporemos que o período em que não há depreciação, período de defasagem (m), seja igual à 10% do tempo de vida (v) de cada bem. Logo, para máquinas e equipamentos e para bens de construção, onde os tempos de vida considerados são 19 e 48 anos, respectivamente, teremos uma defasagem de dois e cinco anos, respectivamente.

Hulten (1990), Jorgenson e Sullivan (1981) e Hofman (2000) usam defasagem de um ano, enquanto que a OCDE utiliza defasagem de 5 anos. Decidimos, todavia, por adotar um percentual fixo do tempo de vida.

Por outro lado, quanto ao terceiro fator, descreveremos, ainda nesta seção, a construção das séries de investimento por país para o período anterior a 1950. Por ora, cabe esclarecer que ao tratarmos o estoque de capital como função do histórico dos investimentos passados (MEP), torna-se necessária uma série de investimento mais longa.

A título de exemplo, para o ano considerado como inicial (t0) e o tempo de vida do capital (v), necessitamos do histórico dos investimentos passados, a partir de v anos anteriores a t0. Ou seja, isto representaria investimentos realizados 19 e 48 anos antes de t0 para M&EQP e para CONST, respectivamente.

Dados o tempo de vida do capital (v) e o período de defasagem (m), exógenos ao modelo, podemos calcular a taxa de depreciação sobre o bem de capital (d) como o inverso do tempo de depreciação , ou seja, [5]. Dessa forma, no ano t, um investimento realizado no ano r, terá idade correspondente a  e, como consideramos o período de defasagem (m), o tempo em que a depreciação irá incidir será .

O Gráfico 1 representa a função de depreciação acumulada (D), , onde  e . Essa função mostra a depreciação acumulada ano a ano e a sua imagem, a função de sobrevivência (S), , mostra o capital ainda não sucatado. Para exemplificar, no Gráfico 1, adotamos m = 2, v = 19 e, conseqüentemente, .

Gráfico 1: Função de Depreciação Acumulada (D) e Função de Sobrevivência (S)

Fonte: Aumara Feu (2003, p. 9).

Observamos que quando adotamos taxa de depreciação com defasagem sobre o bem de capital investido, isto é, depreciação zero no período de defasagem e constante até o final do tempo de vida do capital, a taxa de depreciação sobre o estoque de capital total, d, fica dependente do comportamento do investimento e da variação na idade do estoque. Assim, caso ocorra um choque positivo no investimento de um país, a idade do capital daquela economia cairia, bem como a taxa de depreciação sobre este estoque.

O comportamento descrito, acima, é decorrente da função de depreciação considerada. Ele não seria observado caso a função fosse linear, mas sem defasagem, e com taxa de depreciação sobre o bem de capital investido constante ao longo de toda a vida do bem. Contudo, segundo o manual da OCDE (1993), não parece plausível supor que os bens se desgastem à mesma taxa, principalmente, nos primeiros anos de vida.

Enfatizamos, ainda, que d varia por tipo de bem[6] e d, por tipo de bem e por país. Para simplificar a notação, no entanto, as fórmulas apresentadas abaixo não explicitam a divisão por tipo de bem.

Desse modo, o estoque de capital será calculado de acordo com a equação de movimento do capital:

,

[1]

onde capital K em  é dado pela soma dos investimentos (I) passados, ainda em processo de sucatamento, menos a depreciação desses investimentos, conforme o tempo de depreciação de cada tipo de bem. O número de anos em que a depreciação deve incidir, , é dado pela diferença entre o ano anterior (t), o tempo de defasagem (m) e a data em que foi realizado o investimento (r).

Conforme mencionado, a fórmula do estoque de capital baseia-se na soma de investimentos passados. Assim, para calcularmos o estoque de capital para bens de construção em 1950 necessitaremos de dados sobre o investimento relativo a 1902.

Essas séries estão disponíveis apenas para seis países da amostra: Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela, por Hofmam (1992), e Brasil, por Estatísticas do Século XX do IBGE[7].

Enfatizamos que, quando se trabalha com diversos países, a dificuldade em se encontrar séries de tempo sobre o investimento, agregado e por tipo de bem, leva a maioria dos autores, como em Ferreira, Pessoa e Issler (2003) e Young (1995), a utilizar uma estimativa do capital inicial e aplicar o MEP para os anos seguintes.

Dessa forma, para o restante dos países, calculou-se o estoque de capital inicial por meio da Equação [1]:

,

[2]

onde o estoque de capital inicial depende do nível do investimento em t0, da taxa de depreciação sobre o estoque, d, e do crescimento do investimento, gi.

Observamos que a Equação [2] pressupõe que a taxa de crescimento do investimento e da depreciação não variam no tempo. Uma taxa de crescimento constante para investimento não é, contudo, observada nos países em desenvolvimento que estão na maioria das vezes sujeitos a choques externos. Da mesma forma, quando se considera a taxa de depreciação constante, esta não condiz com a taxa estimada pelo MEP, com função de depreciação linear com defasagem.

Assim, a Equação [2], ao pressupor taxas constantes e ao fixar o ano inicial, o qual pode representar um ano atípico, viesa o resultado do cálculo do estoque, principalmente, no caso dos países em desenvolvimento, que estão mais sujeitos a choques estruturais.

Como exercício para analisarmos essas questões, calculamos o estoque de capital inicial, segundo os dois métodos, MEP e a Equação [2], para os seis países dos quais dispúnhamos de séries longas de investimento. Neste exercício, observamos que o resultado difere de forma significativa nos países onde a série de investimento apresenta grande variação ao longo do tempo.

Ressaltamos que a diferença persiste, mas diminui, quando se considera gi como a taxa de crescimento do investimento média[8] do período, t0 como o ano no qual a taxa investimento (I/Y) se aproxima da média do período e a taxa média de d como função do comportamento do investimento. Essas variáveis: gi, t0 e d, diferem por país, sendo que gi, e d, também, variam por tipo de bem.

O resultado descrito acima mostra que o cálculo do estoque inicial pela Equação [2], bem como o seu desgaste a partir de então, deve considerar o comportamento do investimento por país.

Destarte, de modo a construir com maior acuidade o cálculo do estoque, para aqueles países cuja série de investimento posterior a 1950 não está disponível: (i) calculamos o estoque de capital inicial segundo a Equação [2], depreciando este estoque por meio de taxa de depreciação constante, variando por país e por tipo de bem (estimada conforme especificado abaixo) e (ii) adicionamos ao estoque de capital inicial sobrevivente os investimentos posteriores, depreciados pelo MEP.

Desta forma, para os países que dispomos de série de investimento a partir de 1950, temos:

,

[3]

onde o estoque é a soma do estoque de capital inicial depreciado, segundo uma taxa de depreciação geométrica constante, variando por país e por tipo de bem, e dos investimentos posteriores a 1950 depreciados de acordo com o MEP[9].

Falta ainda descrever como calculamos, por país e por tipo de bem, as taxas de depreciação incidentes sobre o estoque de capital inicial. Utilizamos a forma simplificada proposta por Alvim Silva (2004).

Essa forma mostra que, considerando taxa de depreciação linear sobre o investimento e parâmetros constantes no que concerne ao tempo de vida e à taxa de crescimento do investimento, pode-se calcular uma taxa de depreciação constante sobre o estoque de capital.

Segundo o autor, considerando o tempo de vida (v) e a taxa média de crescimento do investimento (gi), ocorrida no período que vai de t0 a , a taxa de depreciação, , pode ser estimada a partir da seguinte equação:

,

[4]

onde .

Na realidade, não dispomos de dados sobre investimento e, conseqüentemente, sobre a respectiva taxa de crescimento (gi) para o período anterior a  no caso dos países em que foi necessário estimar o estoque de capital inicial e a taxa de depreciação incidente sobre ele. Por isso, utilizamos, para a maioria dos países, como proxy da taxa de crescimento do investimento, a taxa de crescimento do produto[10].

Cabe mencionar ainda que, para a Bolívia, a República Dominicana e para o Panamá, onde não obtivemos dados sobre o produto para o período anterior a t0, utilizamos a média do crescimento dos outros países, excluindo a Venezuela (país exportador de Petróleo). Com isto, estamos pressupondo que a depreciação sobre o estoque de capital inicial, nesses três países, é igual à média dos outros países.

Dessa forma, disponibilizamos no Anexo de Tabelas, as séries do estoque de capital total, do estoque de máquinas e equipamentos e do estoque de bens de construção para 18 economias latino-americanas no período 1950-2000, Tabelas 1, 2 e 3, respectivamente.

3.            Discussão dos Resultados

Discutiremos, a seguir, alguns resultados derivados das séries de estoque de capital, obtidas segundo a metodologia apresentada na seção anterior. O estoque de capital é determinante para o crescimento econômico de longo prazo e, como pode ser deduzido da seção anterior, está relacionado de forma direta à taxa de investimento. Assim, antes de apresentarmos os resultados do estoque capital, vamos investigar comportamento da taxa de investimento no período 1950-2000 dos países da América Latina.

É necessário mencionar que, até o início da década de 80, a maior parcela do crescimento da América Latina era explicada pelo investimento. De acordo com De Gregório (1992, p. 67), no período 1950 a 1985, os países latino-americanos cresceram a taxa média de 4,2% ao ano, dos quais 51% são explicados pelo investimento, 30% pelo crescimento da população e 19% pelo crescimento da produtividade total dos fatores.

No caso do Brasil, Aumara Feu (2003) encontra resultados semelhantes: no período 1953-1980, atribui o crescimento brasileiro, em primeiro lugar, a altas taxas de investimento e, depois, ao crescimento da produtividade total dos fatores. A autora ressalta que o efeito da taxa de investimento no crescimento foi potencializado pela alta produtividade do capital no período.

No Gráfico 2, podemos observar a evolução da média simples, por década, da taxa de investimento total (investimento a preço constante como percentagem do PIB) dos países da América Latina, do MERCOSUL e do Brasil.

Gráfico 2: Taxa de Investimento Total (%): 1950-2000

Fonte: PWT 6.1.

Desse gráfico, podemos inferir que a evolução da taxa de investimento total ao longo das quatro décadas é a mesma nos três níveis de análise, América Latina, MERCOSUL e Brasil: (a) queda na década de 60 em relação à de 50; (b) crescimento na década de 70, apresentando o maior nível médio do período e (c) queda na década de 80 e 90, com exceção da América Latina, que apresentou pequena recuperação nos anos 90[11].

Destacamos os níveis elevados de investimento total na região, durante os anos 70, período de rápido crescimento da região, e os elevados níveis de investimento do Brasil frente à média latino-americana ao longo de todo o período.

Cabe mencionar ainda que, de acordo com o indicador de liberalização Sachs-Warner (Sachs e Warner, 1995 e Wacziarg e Welch, 2003), entre 1985 e 1996, dezessete países da América Latina se abriram para a economia mundial. Moguillansky e Bielschowsky (2001) denominaram de período transição a fase na qual as reformas promovidas na região afetaram o comportamento dos agentes econômicos.

O período de transição varia de acordo com o país e, segundo Moguillansky e Bielschowsky (2001), pode ser dividido em duas fases: a primeira, com racionalização da produção e queda na taxa de investimento, e a segunda, com modernização dos equipamentos pelas firmas e elevação da taxa de investimento.

Para a maioria dos países da região, a primeira fase ocorreu entre meados da década de 80 e inicio da de 90 e a segunda fase na década de 90. No caso da América Latina, o comportamento descrito pelos autores para o investimento pode ser observado no Gráfico 2.

Quanto ao Brasil e ao MERCOSUL, no entanto, não se observa esse comportamento no gráfico. Este fato pode ser explicado pelo retardo no processo de modernização que, segundo Moguillansky e Bielschowsky (2001), iniciou-se em 1995.

No Gráfico 3, apresentamos o comportamento da razão entre investimento destinado a máquinas e equipamentos e investimento total. A leitura da evolução dessa razão é relevante para entendermos o comportamento do estoque desse tipo de bem e, também, devido à evidência empírica da associação positiva e forte entre investimento em equipamento e crescimento[12].

Gráfico 3: Média da Razão entre Investimento em Máquinas e Equipamentos e Investimento Total (%): 1950-2000

Fonte: PWT 6.1.

Como podemos observar, no gráfico acima, com exceção da década de 80, os países da América Latina vêm aumentando de forma gradual a parcela do investimento total destinada a máquinas e equipamentos, passando de 38,6% na década de 50 para 45,5% na de 90[13].

No caso dos países do MERCOSUL e do Brasil, não há tendência definida. A parcela do investimento destinada a máquinas e equipamentos nos países membros do MERCOSUL, segue o comportamento observado nos países da América Latina, mas tem pequena variação, média de 15,1% e coeficiente de variação de 0,1% no período.

No Brasil, a oscilação do percentual do investimento destinado a máquinas e equipamentos é maior: cai na década de 60, cresce na década de 70, atingindo o valor máximo, e cai nas duas décadas seguintes, a variação apresenta média de 21,0% e coeficiente de variação de 0,2% no período.

A análise dos dois gráficos, representados acima, mostra que, no Brasil, o percentual da produção destinado ao investimento é mais elevado que a média latino-americana, mas a parcela desse investimento em máquinas e equipamentos é inferior à média da região.

Essa característica do investimento brasileiro com relação à média dos países latino-americanos se reflete na composição do estoque de capital. A Tabela 1 mostra o percentual do estoque de capital da América Latina, do MERCOSUL e do Brasil, formado por máquinas e equipamentos, em 1960 e em 2000, e a taxa de crescimento do PIB na década de 60 e de 90.

Tabela 1: Taxa de Crescimento do PIB e Proporção do Estoque em Máquinas e Equipamentos no Estoque de Capital (%)

 

Períodos

Estoque em M&EQP

Crescimento

1960

2000

1960-1969

1990-1999

América Latina

31,26

29,25

5,37

3,35

MERCOSUL

29,42

21,30

4,26

3,53

Brasil

26,14

17,17

6,97

1,99

Fonte: Estimativas calculadas pelos autores.

           

Dessa tabela, destacamos a redução da parcela do estoque de capital formada por máquinas e equipamentos entre 1960 e 2000 na América Latina e, de forma destacada, no MERCOSUL e no Brasil. Salientamos que, na América Latina, como a proporção de investimento em máquinas e equipamentos se elevou na última década, a proporção do estoque em máquinas e equipamentos também deve crescer nos próximos anos.

Lembramos que a mudança no tipo de investimento, e conseqüentemente, na composição do estoque de capital limita as perspectivas de crescimento futuro, dada a evidência de correlação positiva com o investimento em máquinas e equipamentos.

Os dados da tabela acima dão suporte a essa evidência ao mostrarem que, de 1960 a 2000, a participação do estoque em máquinas e equipamentos caiu, assim como o crescimento na região. Podemos considerar que o maior investimento em máquinas e equipamentos, observado na última década na América Latina, pode ser indicativo de um maior crescimento da região nos próximos anos, e também que a queda do investimento neste tipo de bem para o Brasil não é um indicador otimista para o país.

A seguir, nos Gráficos 4 e 5, apresentamos, respectivamente, a produtividade marginal do capital (PMgK), relação entre variação anual do produto e variação anual do estoque de capital[14], e a produtividade média do capital (PMeK), razão entre produto e estoque de capital (inverso da razão capital/produto), para América Latina, MERCOSUL e Brasil, para o período 1951-2000.

Gráfico 4: Produtividade Marginal do Capital (PMgK): 1950-2000

Fonte: Estimativas calculadas pelos autores.

No Gráfico 4, podemos estabelecer três fases bem definidas do comportamento da PMgK na América Latina, no MERCOSUL e no Brasil: (i) crescente entre 1950 e 1968; (ii) decrescente do início da década de 70 até meados da década de 80 e (iii) crescente da segunda metade da década de 80 até a metade da década de 90. Além disso, na segunda metade da década de 90, a PMgK inicia nova tendência decrescente, mas que parece estabilizar-se no final do período.

Na América Latina e para no Brasil, o pico da produtividade marginal do capital ocorre na segunda metade da década de 60, enquanto que para o MERCOSUL, o valor máximo ocorre no ano de 1994 Com relação à diferença de nível da PMgK, observamos que, até o início da década de 90, Brasil e América Latina se alternaram na apresentação do maior nível. Atualmente, a PMgK no MERCOSUL é mais elevada que na América Latina e no Brasil.

O pico observado no Mercosul no ano de 1994, bem como a elevação da produtividade marginal do MERCOSUL na década de 90, é reflexo do aumento da PMgK  observada na Argentina entre meados das décadas de 80 e 90. Ressaltamos que o peso da Argentina na PMgK do MERCOSUL é ponderado pela renda relativa do país na região[15].

Assim, de acordo com essa proxy para a PMgK, até o início da década de 90, o retorno do capital era mais elevado em um país médio da América Latina que nos países do MERCOSUL. Como a teoria prevê PMgK mais elevada para países de menor renda, essa diferença era esperada dada à pobreza relativa de um país médio da América Latina com respeito ao bloco: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Contudo, o argumento não se mantém na década de 90, uma vez que a produtividade marginal do capital do MERCOSUL é maior que na América Latina. Lembramos que a medida da PMgK é uma aproximação, do mesmo modo que esse resultado para o MERCOSUL pode estar relacionado com a queda na taxa de investimento ou com a intensidade e a característica da liberalização da região nos anos 90.

Gráfico 5: Produtividade Média do Capital (PMeK): 1950-2000

Fonte: Estimativas calculadas pelos autores.

A PMeK, inverso da razão capital produto, tem tendência decrescente similar nas duas subdivisões: América Latina e MERCOSUL. Na década de 90, a série da PMeK  parece ter se estabilizado em um patamar mais baixo. No MERCOSUL, a PMeK, depois de atingir o menor valor do período em 1989,  chega a esboçar leve tendência crescente. Esta é influenciada pela PMeK na Argentina conforme mostra o Gráfico 6.

O Gráfico 5 sugere, portanto, mudança do nível da PMeK dos países latino americanos nessas últimas quatro décadas. Enquanto que, no início da década de 60, os países da América Latina necessitavam de 2 unidades de capital para gerar 1 unidade de produto, atualmente exige-se 2,4 unidades. A queda na produtividade média do capital (16,7%), apesar de ser esperada pela teoria para países em crescimento[16], limita o crescimento atual e futuro, quando se considera a escassez de capital na região.

Gráfico 6: PMeK da Argentina e do Brasil: 1950-2000

Fonte: Estimativas calculadas pelos autores.

Cabe ressaltar que, segundo Aumara Feu (2003) e Morandi (2004), Argentina e Brasil teriam alcançado o mesmo nível de PMeK dos países desenvolvidos. Dessa forma, como o Brasil e a Argentina possuem baixa renda per capita relativa, PMeK semelhante à dos países desenvolvidos e escassez do fator capital, ambos tiveram o crescimento esperado comprometido.

Esclarecemos, contudo, que a elevação da PMgK, observada no Gráfico 4, desde o início da segunda metade da década de 80 na América Latina, inclusive  para o Brasil e a Argentina, se refletirá na PMeK com o tempo.

Lembramos também que, como a produtividade média do capital é variável estoque enquanto a produtividade marginal é variável fluxo, então, ao se incorporar capitais mais produtivos ao estoque, este vai aumentando, de forma gradual, a capacidade de agregar valor. Assim, se a tendência de crescimento, ou mesmo a estabilidade da PMgK em patamar mais elevado, for confirmada as perspectivas de crescimento de longo prazo para ambos os países tendem a se elevar.

4.                   Conclusão

Neste trabalho, calculamos a série de estoque de capital para 18 países da América Latina. Na metodologia utilizada, que usa o investimento por tipo de bem: máquinas e equipamentos e bens de construção como insumo, observamos queda do investimento como proporção do PIB na década de 80 na América Latina, no MERCOSUL e no Brasil. Na década de 90, a tendência declinante persiste, à exceção da América Latina, onde se nota uma pequena recuperação, devido ao maior investimento observado em alguns países, tais como Panamá, Chile e Bolívia.

No Brasil, destacamos o elevado nível do investimento como proporção do PIB, quando comparado com a América Latina e o MERCOSUL, a tendência decrescente desse nível, bem como a queda da participação do investimento em máquinas e equipamentos no investimento total do país, principalmente, na última década. O comportamento do investimento no Brasil influenciaria negativamente as perspectivas de crescimento, tendo em vista a correlação positiva entre investimento e crescimento, a qual se eleva, segundo De Long e Summers (1991) e (1993), se os tipos de bem investidos forem máquinas e equipamentos.

Por outro lado, na América Latina, observamos a tendência à elevação do investimento em máquinas e equipamentos como proporção do investimento total, bem como pequena recuperação do investimento como proporção do PIB na última década. Essa tendência, embora não confirmada no MERCOSUL e no Brasil, é um indicativo favorável ao crescimento da região.

Dos resultados do cálculo da série do estoque de capital, podemos inferir, ainda, que a produtividade marginal do capital caiu entre o final da década de 60 até meados da década de 80. Este comportamento gerou uma queda na produtividade média do capital que parece ter mudado de patamar nas últimas quatro décadas. A queda na produtividade média do capital (16,7%), explicaria parte do fraco desempenho da América latina nas décadas 80 e 90.

Cabe mencionar, contudo, que, a partir de meados da década de 80, a produtividade marginal do capital (variável fluxo) voltou a se elevar. Assim, caso esse resultado persista com o passar do tempo, logo terá reflexos na produtividade média do capital (variável estoque). Desse modo, confirmada a tendência de crescimento, ou mesmo a estabilidade da produtividade marginal em patamares mais elevados, ceteris paribus, as perspectivas de crescimento de longo prazo para a região tendem a se elevar. É preciso ressaltar que, em estudo paralelo, estamos analisando a influência do comportamento do estoque de capital, bem como da liberalização comercial, sobre o crescimento econômico dos países da América Latina no período 1950-2000.

Tabelas Anexas disponíveis na internet: http:ecen.com/eee50/eee50p/ecen_50p

Tabela 1: Estoque de Capital na América Latina: 1950-2000 (em milhões de dólares constantes de 1996)

Tabela 2: Estoque de Capital em Máquinas e Equipamentos na América Latina: 1950-2000 (em milhões de dólares constantes de 1996)

Tabela 3: Estoque de Capital em Bens de Construção na América Latina: 1950-2000 (em milhões de dólares constantes de 1996)

Referências

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Autores:

 (*) Marcos Souza: Doutorando em economia da Universidade de Brasília.Universidade de Brasília, Departamento de Economia, Campus Darcy Ribeiro – ICC Norte. Brasília – DF, CEP 70.910-900.

Fone: (61) 367-3292. Fax: (61) 487-5246.

E-mail: masouza@ecen.com

(**) Aumara Feu: Doutora em economia pela Universidade de Brasília e analista de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional.

Secretaria do Tesouro Nacional. Esplanada dos Ministérios - Bloco P, Edifício Anexo Ala A – 1º andar, Brasília – DF, CEP: 70.048-900.

Fone: (61) 412-1965. Fax: (61) 487-5246.

E-mail: aumara-feu.souza@fazenda.gov.br.


 

[1] Este artigo é parte integrante da Tese de Doutorado de Marcos Souza.

[2] Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

[3] Esta última descreve em detalhes a metodologia do cálculo do estoque de capital do Brasil, segundo o MEP.

[4] Neste trabalho, toda vez que mencionarmos MERCOSUL, estamos considerando apenas Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O MERCOSUL evoluiu a partir de um processo de aproximação econômica entre Brasil e Argentina em meados dos anos 80 e foi iniciado com a assinatura do Tratado de Assunção em 1991 entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Na XXVII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em dezembro de 2004 em Belo Horizonte, foi formalizada a adesão de Colômbia, Equador e Venezuela ao MERCOSUL na condição de Estados Associados.

[5] A taxa de depreciação sobre o bem de capital (d), na função linear com defasagem, é constante a partir de , sendo que a taxa cumulativa aplicada ao bem aumenta de d anualmente até alcançar a unidade.

[6] A divisão da série de investimento por tipo de bem não é de difícil acesso nos bancos de dados disponíveis. Neste trabalho, para o Brasil, consideramos o percentual do investimento por tipo de bem fornecido pelas Estatísticas do Século XX do IBGE 2003. Para os outros países, encontramos dados para os anos 1950, 1955, 1960, 1965, 1970, 1975 e para o período 1978 a 2002, em vários volumes, do Statistical Yearbook for Latin America and the Caribbean. Sendo assim, interpolamos a participação do investimento por tipo de bem no investimento total para os anos sem observação para a maioria dos países, exceto para Argentina, Chile Colômbia, México e Venezuela, cujos dados de 1978 a 2002 foram aglutinados aos disponibilizados por Hofmam (1992).

[7] Para o período de 1950 a 2000, a PWT fornece as séries taxa de investimento e produto per capita a preços constantes de 1996, bem como a população para todos os países considerados neste estudo. Desta forma, multiplicando a taxa de investimento pelo produto per capita e pela população temos a série de investimento a preço de 1996 para o período 1950-2000 por país da América Latina. As séries de investimento fornecidas por Hofmam (1992) e pelo IBGE foram aglutinadas à da PWT, segundo a variação anual correspondente.

[8] A taxa de crescimento média do investimento no período foi calculada dividindo a média dos três anos finais pela média dos três anos iniciais, elevando o resultado ao inverso do número de anos e subtraindo da unidade.

[9] Lembramos que, nas estimativas econométricas, usamos como ano inicial o ano de 1960, quando parte dos investimentos anteriores a 1950 já estariam sucatados.

[10] Os dados de produto, anteriores a 1950, foram retirados de Maddison (1995).

[11] A recuperação do investimento como proporção do PIB na América Latina se deve, principalmente, à variação positiva observada, em ordem decrescente, no Panamá (variação entre a década de 90 e a de 80 de 80,1%, correspondendo à elevação de 10,4 pontos percentuais na proporção do investimento no PIB do país), no Chile e em Honduras.

[12] A evidência empírica pode ser encontrada nas contribuições de De Long e Summers (1991) e (1993). Segundo esses autores, as nações que investiram de forma mais intensa em equipamentos desfrutaram de crescimento mais rápido no período 1960-1985, relativamente às que tinham mesmo nível de desenvolvimento e não investiram. Jones (1994) fornece evidência de associação forte e negativa entre preço do maquinário e crescimento.

[13] Os principais países que influenciaram no comportamento do investimento em máquinas e equipamentos na região foram, com efeito positivo: Panamá, Costa Rica e Honduras e com efeito negativo: Peru, Venezuela, Equador e Brasil.

[14] Ambas as séries foram ajustadas pelo filtro de Hodrik-Prescott.

[15] O cálculo da produtividade marginal apresentado: soma da variação do investimento líquido da região dividida pela soma da variação do produto, pondera a participação de cada país de acordo com a renda relativa deste país na amostra considerada. Dessa forma, a tendência da produtividade marginal do capital reflete o comportamento dos países de maior renda, como Brasil, México e Argentina.

[16] A América Latina cresceu em média 5,7% na década de 60 ao ano.

 

 

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Wednesday, 28 December 2005
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