Economia & Energia
Ano VIII -No 44:
Maio-Junho 2004  
ISSN 1518-2932

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e&e No 44

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Textos para Discussão:

Metodologia Simplificada para Estimativa da Evolução da Produtividade de Capital

Produtividade do Capital: uma Limitação a mais ao Crescimento Brasileiro

Opiniões:

Inspeções Nucleares e Não Proliferação

As inspeções nucleares no Brasil 

Tratado de Não-Proliferação Nuclear

 

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Opinião:

As inspeções nucleares no Brasil e o mictório público francês.

 Othon L.P. da Silva

               A agressão e ocupação de países sem o respaldo de decisão ONU é um grande estímulo à proliferação de armas nucleares

 

Motivado por ou usando como pretexto a crise do petróleo no início da década de 1970, o governo brasileiro celebrou com a Alemanha um acordo diplomático que respaldou os contratos comerciais, a seguir  realizados  para a  compra de centrais núcleo-elétricas, transferência da tecnologia e  instalações industriais para produção do combustível nuclear a partir do minério brasileiro .

As usinas para enriquecimento de urânio - etapa mais importante do ciclo do combustível nuclear - utilizam a tecnologia da difusão gasosa ou ultracentrifugação. No início das negociações do acordo Brasil-Alemanha estava previsto a  transferência para o Brasil da  ultracentrifugação.

Houve veto americano à  ultracentrifugação e os negociadores brasileiros aceitaram como sucedânea  uma tecnologia  denominada  “jet-nozzle” que até o momento  de sua compra não havia enriquecido nem uma única grama de urânio. Aceitamos e pagamos  para ser sócios no desenvolvimento de uma tecnologia  economicamente inviável que alem de exigir maiores investimentos iniciais era mais devoradora de energia elétrica que a difusão gasosa, considerada a mais obsoleta tecnologia empregada nas instalações antigas  dos Estados Unidos, Rússia, Franca e China construídas até a década de 1960.  

Em 1978 o signatário deste artigo propôs e administração naval aceitou  que iniciássemos, em parceria com outras instituições nacionais, o desenvolvimento de ultracentrifugas para enriquecimento de urânio.

 Em setembro de 1982 fizemos a primeira operação de enriquecimento de com ultracentrífuga integralmente idealizada, projetada e construída no Brasil. Em setembro de 1984 entrou funcionamento de um pequeno grupo de ultracentrífugas interconectadas por tubulações e em 1987 iniciamos a operação de um pequeno módulo da Usina de Demonstração Industrial com 48 ultracentrífugas. Em 1991 entrou em operação um modulo de demonstração industrial de cerca de 500 ultracentrifugas com capacidade para produzir 280 Kg/ano de urânio com enriquecimento inferior de 5%. Este enriquecimento é de teor superior ao necessário para as Usinas de Angra dos Reis e atende às necessidades do reator naval. Um núcleo deste reator utiliza de cerca de seis toneladas deste urânio e permite ao submarino operar por dez anos.

 O entendimento oficial da AIEA -Agencia Internacional de Energia Atômica, órgão das Nações Unidas, é de  que a propulsão nuclear não representa uma aplicação bélica da energia nuclear  e se constitui apenas uma outra alternativa de propulsão. Outro  complicaria o trafego de submarinos e navios de propulsão nuclear das grandes potencias em época de paz. A opção brasileira por um núcleo de reator naval com enriquecimento abaixo de 5% descarta qualquer insinuação de intenção desvio de combustível nuclear para utilização em artefatos.

O Presidente Sarney convidou o Presidente Alfonsin para a inauguração do primeiro módulo da Usina Experimental de Enriquecimento de Urânio em ARAMAR, no interior de São Paulo. Naquela época a política externa e as medidas internas adotadas se caracterizavam pelo pacifismo altaneiro, sem subserviência e com forte conteúdo de integração sul-americana. Foram criadas as bases da ABACC – Agencia Brasil Argentina de Contabilidade e Controle para realizar inspeções constantes e, seguindo os mesmos padrões de inspeção  da AIEA,  com ela manter franca troca de informações.

No governo Collor foi celebrado o acordo quadripartite: Argentina-Brasil-ABACC e AIEA diminuindo a importância da ABACC. Este acordo permitia à AIEA a monitoração e controle direto do urânio enriquecido produzido, embora ainda respeitasse os segredos comerciais, limitando a intruzividade tecnológica.

Até a data de assinatura do acordo quadripartite as ultracentrífugas, que compunham o módulo de quinhentas unidades, ficavam absolutamente à vista de quem adentrasse o prédio onde funcionavam. A necessidade de permitir o controle sem escancarar a tecnologia desenvolvida, nos fez adotar uma solução parecida com a do mictório público francês. As fileiras duplas de ultracentrifugas passaram a funcionar entre dois biombos colocados cerca de trinta centímetros acima do solo, permitindo assim a visão dos pés das centrífugas (suas bases), sem exibir o corpo inteiro das mesmas e possibilitando a monitoração das tubulações de entrada e saída de hexafluoreto de urânio.

Essa solução foi aprovada pela Agencia Internacional, cujo diretor presidente na época era o sueco Dr Hans Blix, posteriormente nomeado pela ONU  inspetor chefe no Iraque, antes da ultima invasão aquele país.  Adicionalmente, a AIEA  instalou câmeras cinematográficas seladas para garantir monitoração 24 horas por dia, com direito a uma cota anual de inspeções programadas e de surpresa em todas as instalações nucleares brasileiras.

No governo Fernando Henrique, contrariando décadas de coerência em política externa, o Brasil aceitou ratificar o TNP - Tratado de Não Proliferação nuclear. O TNP é assimétrico e discriminatório por dispensar a inspeção em países nuclearmente armados e inspecionar somente os desarmados. Até a assinatura do TNP, o nosso compromisso era com a Argentina, ABAAC, e AIEA e não diretamente com todos os estados nacionais membros das Nações Unidas, nuclearmente armados ou não, como passou a ser.

A radicalização da política nuclear americana, a pretexto de evitar a proliferação de armas de destruição de massa, nos pressiona a aderir ao protocolo adicional ao TNP que amplia ainda  mais as assimetrias existentes naquele tratado ao exigir tantas inspeções  quanto forem arbitradas, não somente nas instalações nucleares mas também em qualquer  parte do território brasileiro  que, a critério dos inspetores internacionais forem  consideradas suspeitas até mesmo em nossas residências, se assim o decidirem.

 A INB-Industrias Nucleares Brasileiras, sucessora da antiga Nuclebrás, abandonou  o “jet-nozzle”  e  está construindo em Rezende, Estado do Rio de Janeiro, com  tecnologia cedida pela Marinha, uma Usina de Enriquecimento visando produzir combustível  para centrais núcleo-elétricas brasileiras e futuramente exportar,  supervisionada pela AIEA. Os americanos pressionam de forma a protelar ou mesmo impedir o término desta usina, até mesmo a adoção dos “biombos” está sendo inexplicavelmente contestada.

A recusa dos biombos não deve ser considerada intenção de espionagem industrial americana, pois já desenvolveram excelentes ultracentrifugas para as usinas de enriquecimento que estão construindo. Imaginar que seja repulsa à uma “solução francesa”  seria ridículo, por maior que seja o desencanto deles com a França. Depois dos biombos, surgirão outros pretextos.

Existem no mínimo duas motivações para que os EUA procurem impedir a construção da usina de enriquecimento brasileira: uma de natureza econômica e outra de ordem estratégico-militar.

As fontes de energia têm grande importância econômica. O fato de dispor de grandes reservas de minério de urânio e de tecnologia própria  comercialmente competitiva  para produção do  combustível nuclear,  credenciará o Brasil à condição  de importante “global player” no bilionário mercado mundial de combustível nuclear e  não somente de mero exportador de minério.  Evitar tal possibilidade pode ser a motivação econômica.

Militarmente, os artefatos nucleares podem ser classificados de duas formas: armas de destruição de massa e inibidoras de concentração de forças. Os poderosos artefatos de fusão (bombas de hidrogênio) e os artefatos de fissão de maior porte serão sempre armas de destruição de massa. Mesmo os artefatos de fissão ou fusão de baixa potência, se usados contra populações civis, serão considerados como destruição de massa.

O uso de artefatos nucleares será sempre um evento infeliz para a humanidade, principalmente como armas de destruição de massa. Os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki foram “destruições de massa” e na época contrariaram grande parte da intelectualidade americana e estimularam a proliferação inicial das armas atômicas.

Qualquer tentativa de invasão ou ocupação territorial implica em concentração de forças.  A existência de artefatos nucleares de baixa potência com um vetor adequado de lançamento é um poderoso fator inibidor de concentração de forças, não sendo do agrado de paises que têm como opção estratégica a possibilidade de intervenção militar independente da aprovação do Conselho de  Segurança da ONU.

A existência de uma usina de enriquecimento de urânio diminui o tempo entre a denuncia de todos os acordos e tratados já celebrados, e a eventual fabricação de artefatos( “making nuclear weapon on short notice” no jargão internacional). Isto explicaria a preocupação estratégico-militar americana, muito embora o Brasil por reiteradas vezes em seu regime democrático tenha deixado clara a sua opção de não construir artefatos nucleares incluindo tal decisão no texto constitucional. O desenvolvimento de artefatos nucleares implicaria em gastos desnecessários e geraria um clima de desconfiança que poderia conspirar contra o bom convívio econômico, cultural e pacífico existente entre os estados nacionais sul-americanos. 

Tanto nas ações de governo quanto nas iniciativas particulares tivemos sempre um comportamento exemplar em relação à não transferência de tecnologia sensível, diferentemente do Paquistão, que obteve a sua capacidade de enriquecer urânio através de um engenhoso programa de espionagem comandado pelo cientista Abdul Qadeer Khan  e  vendeu esta tecnologia a outros paises. No Brasil, sem as motivações bélicas daquele país, optamos por um sério programa de pesquisa e desenvolvimento que nos levou a melhores resultados técnicos e econômicos, a custos muito inferiores sem nunca vendermos a tecnologia desenvolvida.           

As normas de inspeção da AIEA, às quais o Brasil atualmente está sujeito, são comprovadamente eficientes, pois são as mesmas utilizadas no pós-guerra por dezenas de anos, em relação aos os regimes democráticos do Japão e da Alemanha, países que mantiveram renuncia à construção de artefatos mesmo nos momentos de crise na guerra fria. Não há razão para aceitarmos o endurecimento de normas, a pretexto das atitudes de outros países sujeitos a regimes não democráticos e com passado recente de confrontação com os EEUU.

A proposta do Presidente Bush de reiniciar testes nucleares e desenvolver uma nova geração de pequenos artefatos para serem usados de forma “cirúrgica“, até mesmo contra países não nucleares, é preocupante para o mundo. Tais atitudes somadas a agressões, sem o respaldo do conselho de segurança da ONU, constituem forte estimulante à proliferação nuclear, principalmente nos países islâmicos com os quais tenham potencial de confrontação.

Desde os primórdios de sua independência, o Brasil é um país aliado dos Estados Unidos. O povo brasileiro aprecia vários aspectos da cultura americana, porém tem o direito de resistir às pressões e recusar o protocolo adicional ao TNP, assim como serenamente, sem antagonismos não aceitar vetos sobre atividades pacíficas com grande significado comercial.

As decisões sobre energia têm grande importância econômica, portanto devem ser tomadas de forma pacífica, respeitosa e soberana, com o objetivo de atender aos melhores interesses da sociedade brasileira.  

 

Othon L.P. da Silva

Empresário. Engenheiro Naval, Mecânico e Nuclear.

Vice-Almirante da Reserva

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Tuesday, 06 March 2007
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