Economia & Energia
Ano III - No 13
Março/Abril 1999
ollaoro.gif (978 bytes) Página Principal
ollaoro.gif (978 bytes)Privatizações na área energética
ollaoro.gif (978 bytes)Estrutura da Crise
ollaoro.gif (978 bytes)Coeficientes de Equivalência Energética
ollaoro.gif (978 bytes)Glossário de Termos Energéticos
ollaoro.gif (978 bytes)Vínculos e&e

Acompanhamento Econômico:
ollaoro.gif (978 bytes)Reservas Internacionais do Brasil
ollaoro.gif (978 bytes)Dívida Pública Brasileira

Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a
marcos@rio-point.com
Revisado:
Friday, 11 July 2003.

http://ecen.com

A ESTRUTURA DA CRISE

  Omar Campos Ferreira
omarecen@prime.com.b
r

 A crise econômica deste final de século vem sendo diagnosticada e tratada como financeira, que poderia ser resolvida por medidas monetaristas, mas, na verdade, parece ter raízes mais profundas. As opiniões dos especialistas são contraditórias, parecendo não haver método seguro de diagnóstico. Entretanto, há alguns indícios de que a questão se prende à perda de produtividade na economia conjugada com uma certa ociosidade do capital nos países centrais. Para analisar a crise, é mais seguro partir dos elementos da "economia física", usando a moeda apenas quando houver dificuldades para avaliar variações de curto prazo em algum fator de produção. A sistemática é, pois, semelhante à usada na contabilidade nacional, onde o produto é expresso "a custo de fatores".

O ponto de partida para a análise proposta é a função de produção :

(1) Y = f ( K, L, E, M )

em que : Y é o produto, K o capital, L o trabalho, E a energia e M a matéria prima. Tanto quanto possível, os fatores de produção devem ser expressos em unidades físicas, o que é difícil mas conceitualmente possível.

O objetivo perseguido pelos economistas é o crescimento "sustentado" do produto. O adjetivo "sustentado" é ambíguo, ora parecendo significar a conservação do ambiente, ora referindo-se à possibilidade de crescimento continuado. A conotação ecológica é descabida, como demonstrou Georgescu-Roegen ("Steady State and Ecological Salvation" - BioScience, vol. 27, n0 4, abril 1977 ) e o horizonte de crescimento é indefinido, de forma que seria preferível ignorar o adjetivo.

A taxa de variação do produto obtem-se da equação (1) como

(2) dY/dt = Y/ K . dK/dt + Y/ L . dL/dt + Y/ E . dE/dt + Y/ M . dM/dt

e o objetivo é, portanto, manter dY positivo, atuando sobre os fatores de produção.

Nesta expressão, as derivadas parciais representam as produtividades dos fatores e as derivadas em relação ao tempo representam as taxas de variação das quantidades empregadas desses fatores. Examinando cada termo de (2), é possivel ponderar a importância relativa dos fatores, que é variável com o tempo, para identificar as melhores vias para fazer crescer o produto. Se a produtividade ( Y/ X) do fator varia, a quantidade dele empregada na produção deve variar para manter a configuração de produção. Se não houver meios de se compensar a perda de produtividade, o modo de produzir deve ser mudado..

PRODUTIVIDADE DO CAPITAL ( Y/ K)

Este termo foi examinado em detalhes por Carlos Feu Alvim em artigo da e&e ("Produtividade de Capital", vol.1, # 1, fev/mar-1997). O artigo mostra que a razão capital / produto cresce segundo a lei logística na economia dos países analisados, tendendo para o limite 3,5, na avaliação do autor. Para alguns países (Japão e Argentina) a razão já está próxima do limite; na economia européia (França, Itália, Bélgica e Reino Unido) e Austrália, o valor atual seria 3,0, enquanto em países chamados de emergentes ( Coréia do Sul, Brasil, Chile, India e México) o valor está entre 2,0 e 2,5. Paradoxalmente, alguns dos países emergentes, que oferecem melhores oportunidade para novas aplicações de capital, têm sido alvos de ataques especulativos, o que demonstra não haver intenção de realizar investimentos produtivos nesses países.

A produtividade do capital, tal como definida neste trabalho, relaciona-se com a razão capital / produto usada por Carlos Feu. Se esta razão for independente do tempo, ela se identifica com o inverso da produtividade do capital, pois:

r = K / Y implica dY/dt = 1/ r dK/dt ou r = dK/dY

Se r for variável com o tempo, na forma suposta,

dY / dt = (1/ r ) . dK / dt - (K / r 2 ) . dr / dt

e as duas expressões coincidem no limite de r, pois aí dr / dt ® 0. É pois legítimo tomar 1/ r como representativo da produtividade do capital no limite. Se r está próximo de 3,5 a produtividade do capital está próximo do seu valor mínimo. Todos os casos analisados mostram que a produtividade do capital já passou pelo ponto de inflexão, o que significa que o retorno do investimento decresce e o aumento da produção pela via do capital torna-se improvável.

O "Foreign Affairs" de set/out/97 publicou uma análise de Paul Krugman, do MIT, sobre a teoria da "fartura global", como ele a designou, que seria uma versão da "teoria da estagnação secular" e cuja emergência o analista atribui à ascensão dos socialistas ao governo da França, com a eleição de Lionel Jospin em 1996. Segundo esta teoria, a capacidade de produção (capital), nesta década, supera a capacidade de consumo, o que explicaria o desequilíbrio dos mercados e a ociosidade do capital financeiro. . No passado, o excesso de capital era resolvido por guerras, como a II Guerra Mundial que teria sido a solução para a depressão de 29. A turbulência atual coincide com o fim da "Guerra Fria", durante a qual a indústria bélica absorveu a capacidade de produção excedente.

PRODUTIVIDADE DA ENERGIA ( Y/ E)

Diversos pesquisadores se ocuparam da relação renda per capita / consumo per capita de energia, entre eles Howard T. Odum ("Environment, Power and Society", John Wiley & Sons,1971) e Chauncey Starr ("Energy and Power", Sci. American, vol.225, # 3, 1971), ambos com dados de consumo de energia e de renda do ano de 1964 Um levantamento de dados de 1984, no documento "Referências Básicas", da Comissão Nacional de Energia /1986, para alguns países dos quais dispõe-se de balanços energéticos consolidados, está representado no gráfico 1.

 

 

 

Os dados para o Brasil são do BEN / 97 para a demanda final de energia e do livro "Brasil: O Crescimento Possível" para o PIB. Devido à dificuldade em se eleger um deflator único para todos os países, não parece possível comparar os resultados dos dois estudos (dados de 1964 e de 1984, antes e depois dos choques de preços do petróleo), mas é possível analisar a consistência interna dos dados. Entre 1964 e 1984 houve grande mobilidade entre os países que compõem a amostra em uso. Em 64, havia correlação quase linear (coeficiente de correlação R2 = 0,989 ) entre renda e consumo de energia para a amostra. Em 84, a correlação na amostra é fraca (R2=0,800), notando-se o afastamento acentuado dos EUA, Canadá e Austrália em relação à reta definida pelos outros países da amostra. Tratando separadamente os países de grande extensão territorial (EUA, Canadá, Austrália, China, Brasil e India) a correlação melhora sensivelmente, atingindo o valor de 0,988, igual ao coeficiente obtido com os dados de 64. Os países com territórios menores continuam em razoável correlação linear, com R2=0,934, Para o grupo dos países grandes, a intensidade energética média é de 0,46 tEP / 1.000 $80 ; para o outro grupo a intensidade média é de 0,16 tEP/1.000 $80. Brasil , China e India apresentam intensidades energéticas da ordem de 0,60 tEP/ k$, sensivelmente superior à média do grupo, e renda menor, parecendo que o valor unitário dos produtos predominantemente primários ($/kg) também afeta a correlação. Nota-se também que na faixa de renda até cerca de 3.000 $80 há certa indefinição entre a prevalência da extensão territorial ou da renda, provavelmente devido à interdependência das taxas de uso dos fatores, que são ligadas pela função de produção. A diferença física entre os dois grupos de países, a extensão territorial, sugere que a mudança nas posições relativas esteja relacionada com o aumento do custo do transporte interno, fortemente dependente do custo do petróleo, e com o custo de organização e administração. Território mais extenso significa maior diversidade de situações econômicas (e políticas) e, portanto, maior custo relativo de administração.

Este resultado encontra apoio na análise sobre o comércio exterior, do livro "Brasil: o Crescimento Possível", que mostrou correlação decrescente entre a extensão territorial e o coeficiente de comércio exterior, fato que deve ser considerado no planejamento estratégico, especialmente para o Brasil que está na situação de país grande e de baixa renda. Tomadas em conjunto, as análises energética e de comércio exterior mostram que países de grande extensão têm menor vocação para o comércio exterior, pelos fatos de o potencial de consumo interno ser elevado e de o transporte de mercadorias de menor densidade de valor ($/kg) ser energeticamente caro. O artigo de Carlos Feu sobre a produtividade do capital permite comparar a evolução da economia indiana com a da brasileira, a partir da década de 50, quando a economia indiana estava mais capitalizada do que a brasileira. A partir de então, a economia brasileira capitalizou-se mais rapidamente e no final da década de 80, os dois países tinham razões capital-produto sensivelmente iguais. Na década de 90 a economia brasileira continuou na trajetória de crescimento da razão capital-produto, enquanto a indiana evoluiu mais lentamente. O produto indiano tem crescido regularmente entre 4 e 5 % ano ano, nos últimos 40 anos, enquanto que a economia brasileira mostra grandes oscilações na taxa de crescimento no mesmo período, sugerindo que a opção pelo modelo industrial, mais capitalizado, tornou nossa economia mais vulnerável às crises importadas.

Outro dado que reforça a conclusão sobre a influência do custo interno (transporte e organização) é obtido ainda das Referências Básicas e refere-se ao impacto da crise do petróleo sobre as economias de países grandes e pequenos. O gráfico 2 mostra a variação da renda por habitante nos EUA, na Itália, na França e na India, entre 1970 e 1984, vendo-se que a India, menos dependente do petróleo, passou praticamente incólume pela crise e os europeus sentiram os seus efeitos menos que os EUA.

 

 

 

Finalmente, ainda com dados das Referências Básicas, constata-se que a razão entre a demanda final de energia e a oferta de energia primária decresceu para todos os países analisados, no mesmo intervalo de tempo (gráfico 3).

 

 

 

 

As conclusões relevantes sobre a produtividade da energia são :

  • países de grande extensão territorial têm custo energético intrinsecamente maior, sendo mais sensíveis às crises de suprimento de energia, e têm menor vocação para o comércio com o exterior

  • os choques de preços do petróleo da década de 70 colocaram em evidência a maior intensidade energética das economias dos países grandes e industrializados

  • a eficiência de conversão da energia primária em energia final, incluidas as perdas na distribuição, diminuiu sistematicamente em todos os países analisados, entre 1970 e 1984

  • a produtividade da energia decresceu no intervalo analisado e possivelmente continuará descrescendo à medida que a oferta de petróleo diminua

  • os ganhos em tecnologia, que no passado compensavam a perda de disponi bilidade da energia, parecem ter saturado sua eficácia de compensação.

Embora o propósito desta análise não inclua aspectos políticos e institucionais, é difícil fugir à tentação de prever dificuldades crescentes para os países grandes em manter seus sistemas de organização em cenário de menor disponibilidade de energia de baixo custo. Neste aspecto, é aparente que os EUA terão maior facilidade em manter a estabilidade institucional devido à maior autonomia dos estados. No Brasil, a centralização político-administrativa, a concentração da economia no Sudeste-Sul, a baixa eficiência do sistema de transporte de cargas e a política de preços dos combustíveis serão obstáculos à manutenção do sistema federativo como existe hoje. O difícil diálogo entre o Governo Federal e Governos Estaduais sugere que o problema já está posto.

PRODUTIVIDADE DA MATÉRIA PRIMA ( Y/ M)

Este termo é de difícil avaliação, pois o raciocínio físico induz a consideração de disponibilidade decrescente de recursos finitos. A expectativa natural de aumento dos preços de produtos primários não tem sido confirmada. Possivelmente o desenvolvimento da tecnologia e a desigualdade de poder de troca entre países exportadores e importadores têm produzido a diminuição dos preços da matéria prima no pós-guerra. Entretanto, recursos minerais não são reciclados pela foto-síntese, o que determinaria o declínio inexorável da sua disponibilidade, como sugere Georgescu-Roegen no enunciado da "Quarta Lei da Termodinâmica". Robert U. Ayres ("Eco-Restructuring : The Transition to an Ecologically Sustainable Economy" - INSEAD/1995) avalia em 5 décadas o horizonte de esgotamento dos combustíveis fósseis e de minérios de alumínio, cobre e urânio.

Há perspectivas de ganhos na economia de recursos naturais pela reciclagem de rejeitos, por mudanças de processos de produção e pela substituição de materiais (p.ex., do cobre por alumínio em condutores elétricos), porém a custos crescentes, dados o custo de coleta e de transporte dos rejeitos a reciclar e os investimentos elevados necessários à mudança nos processos e nos materiais. Apesar do apelo ecológico da reciclagem, esta prática tem sido limitada a uma pequena variedade de rejeitos, em especial os de aluminio, cujo custo energético de produção compensaria os custos de coleta e transporte. De qualquer forma, é inegável que os recursos são finitos, o que implica expectativa de queda de produtividade da matéria prima.

 PRODUTIVIDADE DO TRABALHO ( Y/ L).

Medir o desenvolvimento econômico pela produtividade do trabalho era uma prática aceitável nos tempos do "guaraná de rolha", quando o salario era o componente maior dos custos de produção. Hoje este indicador de ganho de produtividade na economia é questionável, pois enquanto ele cresce a economia mundial se afunda. A massa salarial (salários, aposentadorias e pensões) perdeu 1/3 de participação no PIB brasileiro, nos últimos 30 anos, em favor dos custos de capital (mecanização, automação e informatização). Na Europa, o "estado de bem estar" entrou em colisão com a necessidade de eliminação das diferenças econômicas entre os membros da União Européia Entretanto, se combinarmos a queda da produtividade do capital com a tendência de diminuição deste parâmetro para a energia e a matéria prima, a última variável livre, em termos mundiais é a produtividade do trabalho. Da mesma forma como os ganhos de tecnologia determinaram a queda ( talvez temporária) no preço do petróleo e das matérias primas, o desenvolvimento da qualificação do trabalhador poderá ser o fator de conservação de recursos naturais, entre eles os recursos energéticos, e de crescimento do produto.

No caso do Brasil, bem servido de recursos naturais, com grande, e ainda crescente, contingente de mão de obra e condições favoráveis à conversão de energia da biomassa, seria natural pensar em associar estas condições em uma estratégia de exploração dos recursos naturais, com uma parceria mais equilibrada de capital e trabalho, mediante um programa de assistência à produção de bens de consumo popular que exigem tecnologia simples e já disponível no País. Produzir para exportar exige mais capital, visto que os produtos de interesse dos importadores potenciais são mais específicos e intensivos em capital e em energia. Melhorar a qualificação da mão de obra requer investimentos e custeio de serviços de educação, saúde, transportes coletivos e moradia, ítens que têm sido sistematicamente reduzidos pelos sucessivos cortes no orçamento público brasileiro. A mesma tendência encontra-se no esvaziamento do ensino público, tendo já desaparecido ou quase, instituições do ensino público do segundo grau e de ensino profissionalizante sustentados anteriormente pela contribuição pública.

CONCLUSÕES.

A equação produção-consumo admite variadas soluções, seja pela via da produção, seja pela do consumo. A primeira via requer o desenvolvimento de um conjunto de medidas de racionalização e investimentos na infraestrutura, de resultados a médio prazo. A segunda é de execução mais rápida, especialmente quando trata-se de comprimir o consumo dos assalariados, dado a circulação mensal dos salários. Entretanto, como o consumo de produtos mais específicos não está ao alcance do salário médio, a fração da população atingida no primeiro momento é a de renda mais baixa, sendo inevitável o agravamento da distribuição de renda. Medidas de repressão a abusos de preços no comércio dificilmente dão os resultados visados, pois há muitos circuitos de escape para os infratores de normas e portarias. A compressão voluntária do consumo só ocorre quando a população se sente comprometida com os planos de Governo, sendo mais natural em situações de ameaça ao país quando as lideranças politicas são mais facilmente aceitas.

Entretanto, uma solução mais duradoura para a economia mundial só pode provir dos fatores que, de algum modo, estejam ao alcance das ações humanas, o que exclui a disponibilidade de energia e de matéria prima, ambos regulados por leis naturais. Um novo pulso de crescimento da economia, na atual configuração dos fatores produtivos, depende do melhor uso dos recursos naturais ou do desenvolvimento de um novo recurso energético de custo comparável ao do petróleo. Países que ainda tenham margem de desenvolvimento em relação aos já desenvolvidos devem explorar cuidadosamente cada fator de produção para encontrar as suas próprias configurações mais produtivas, visto ser difícil, se não impossível, atingir o nivel de renda e de consumo dos países já industrializados.

Os resultados da presente análise parecem estar em completo desacordo com as diretrizes econômicas prescritas por organismos internacionais, coincidentemente liderados por países ricos. A crise é estrutural e não se resolverá por medidas de âmbito financeiro.